terça-feira, 29 de julho de 2014

São Borja - Umas das mais Significativas Histórias da América Latina

São Borja – Uma das mais Significativas Histórias da América Latina
Ramão Aguilar (*)

São Borja, sob a invocação de São Francisco de Borja, foi fundada em 1682, segundo alguns historiadores, que apontam este ano como sendo o da fundação histórica, mas outros tem como ano de fundação o de 1687, quando foi oficialmente instalado, passando a ter livros próprios de assentamentos, o que antes eram feitos nos livros da redução de origem. Seu fundador o jesuíta Francisco Garcia de Prada, na 2ª fase reducional da Companhia de Jesus, à margem esquerda do Rio Uruguai, quase fronteira à Redução de Santo Tomé/RA. Constituiu-se no primeiro dos Sete Povos a ser organizado após a primeira fase das Missões Orientais, derrocada pela invasão dos bandeirantes, que as destruíram completamente.
Povoado por índios reduzidos, que migraram da Redução de Santo Tomé, num total de 1952 “almas”, sob a jurisdição social e religiosa dos jesuítas e tutela política da Espanha. Importante citar que também faziam parte desse espaço os índios não catequisados, pertencentes a outras etnias aborígenes, como por exemplo, charruas, guenoas e minuanos.
Estudos recentes dão conta de apresentar que o espaço de conversão não eliminou o processo de relação que sempre existiu entre os índios aldeados e os índios infiéis. Também é de conhecimento que alguns índios considerados infiéis, acabaram se estabelecendo nas reduções através de acordo entre os missionários e os caciques infiéis. Porém nada foi mais significativo para a permanência destes grupos infiéis na banda oriental do Rio Uruguai do que a necessidade de persistir a supremacia territorial e cultural diante de outros grupos indígenas. Esse caso foi lembrado pelo religioso Francisco Garcia, quando expos as desavenças que existiram entre os guenoas e os yarós – dois grupos indígenas que transitavam no espaço do pampa. (Missões em Mosaico: Da Interpretação à Prática, pág.103).
As demais Reduções, além da de São Francisco de Borja são: São Nicolau, fundada em 2 de fevereiro de 1687, reconstruída materialmente no mesmo local onde já existia antes, sob este mesmo nome, na primeira fase das Missões Orientais. Ainda em 1687, em data não precisada, São Luiz Gonzaga e, no mesmo ano, a de São Miguel Arcanjo, que foi a mais florescente dentre todas da segunda fase das Missões. Em 1690, São Lourenço Mártir, originada da Redução de Santa Maria Maior, sita a margem  direita do Rio Uruguai, onde integrava as antigas Reduções do Paraná. Em 1697, como desdobramento do Povo de São Miguel, foi fundada São João Batista, pelo Pe. Antônio Sepp. Finalmente, em 1706, Santo Ângelo Custódio, provindo, como a de São Luiz Gonzaga, da antiga redução de Conceição. Teve seu primeiro assento de batismo em 12 de agosto desse mesmo ano.
O declínio da Redução de São Francisco de Borja, bem como das demais Reduções ocorreu a contar da assinatura do Tratado Madrid, em 13 de janeiro de 1750, celebrada entre as cortes de Portugal e Espanha – onde esta cedia o Território das Missões, recebendo, em troca, a Colônia do Sacramento – hoje integrante da República Oriental do Uruguai.
Os padres da Redução de São Borja, como os das demais reduções, não conseguiram convencer os índios à obediência do Tratado. Com a volta aos antigos povos originaram-se os atritos que os conduziram à chamada “Guerra Guaranítica”, contra os interesses já coligados de Portugal e Espanha. Na chamada batalha de Caabaté, ou Caiboaté, de 7 a 10 de fevereiro de 1756, onde Espanha e Portugal, com suas forças coligadas, sustentaram o decisivo confronto com os índios sublevados. Neste combate foi dizimado o exército missioneiro, integrado por um em meio milhar de índios, numa verdadeira, sangrenta e inominável chacina. Em 17 de maio de 1756 Espanha e Portugal tomam e arrasam São Miguel e impõem a definitiva rendição dos Povos missioneiros.
A partir deste acontecimento a Região Missioneira passa a ser administrada por prepostos do Governo de Buenos Aires. Estes administradores, em São Borja e nos demais Povos, tratavam o índio como escravos, apossando-se dos bens materiais, que ainda restavam, não impunham métodos corretos de administração, ao ponto de um sem número de índios voltarem à sua vida primitiva.
São Borja passou ao domínio português no ano de 1801, através da conquista do Território das Missões por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso. Estas histórias do que hoje é o município de São Borja, localizado no extremo oeste do estado do Rio Grande do Sul, com a sua trajetória desde a origem reducional do século XVII, passando pelo Império Brasileiro e vivendo a República até nossos dias.
Em 04 de abril de 1834 era juramentado na Câmara Municipal de Rio Pardo e logo eleito vereador da Câmara de São Borja, o seu primeiro presidente, João José da Fontoura Palmeiro. Sendo que a Vila foi instalada em termo Municipal em 21 de maio deste mesmo ano.
Em 08 de maio de 1816, havia sido elevada à categoria de Freguesia pelas autoridades eclesiásticas, havendo passado em 03 de dezembro de 1819, à cabeça de Comarca Eclesiástica. Por Lei Provincial nº 26 de 22 de outubro de 1846 era elevada à condição de Paróquia, sob invocação – agora oficial – de São Francisco de Borja, ele que foi chamado Francisco de Borja Y Aragón, foi membro importante da nobreza espanhola, filho do 3º Duque de Gandia e de D. Joana de Aragón, nasceu na região da Catalunha, em 28 de outubro de 1510, da qual chegou a ser Vice-rei, ainda jovem ingressou na Companhia de Jesus, chegando ao posto de 3º Geral da Ordem. Canonizado em 29 de junho de 1670.
A Lei nº 185, de 22 de outubro de 1850, criava em São Borja sua primeira Comarca. Finalmente, em 21 de dezembro de 1887, era elevado à condição de cidade – título honorário concedido pelo Império – através da Lei nº 1614 do Governo Provincial.
Após o plebiscito emancipacionista, pela Lei Estadual nº 5059, de 12 de outubro de 1965, era desmembrada uma parcela considerável da área geográfica de São Borja, formando-se no Município de Santo Antônio das Missões, com sede na então Vila 13 de Janeiro. Ainda no processo emancipatória mais uma parcela da área pertencente a São Borja foi desmembrada pela emancipação do distrito de Itacurubi em 1988, ano da criação do Município de Itacurubi e por último foi à vez do antigo Distrito de Garruchos a ter sua emancipação, atual Município de mesmo nome, emancipado em 20 de março de 1992.
“Neste contexto de fronteiras internacionais a comunidade de São Borja, na atualidade, é referida pelos brasileiros como “Terra de Presidentes” e pelos seus munícipes, como “Terra de Valor”. Estas são as lembranças na memória coletiva, entre os muitos flashes sobre a história brasileira, porque são dois são-borjenses ilustres, ou seja, os Ex-Presidentes da República, Getúlio Dornelles Vargas e João Belchior Marques Goulart, os quais tiveram papéis marcantes na história do país no século XX. Por outro lado, especialmente na comunidade gaúcha, e de modo especial na região das antigas Missões Jesuíticas da América do Sul, São Borja é distinguida como um dos Sete Povos espanhóis do século XVII. Distinção esta que avança pelos séculos XVIII e XIX, trazendo uma marca indelével nesta significação histórica. Assim, decorrido quase quatro séculos, mantém-se como um marco do povoamento brasileiro perene no coração do Pampa da América do Sul. Por isso é uma terra de tantos valores simbólicos e prova viva de um passado de múltiplos acontecimentos”.
 “Isso confere a São Borja a condição quase única naquilo que muito se enfatiza na atualidade, ou seja, empiricamente na academia ou através dos juízos de valores expressos pelo povo sul-rio-grandense sobre a verdadeira origem e evolução do “gaúcho” latino-americano, porque seus povoamentos reuniram essas diferentes etnias e o convívio entre elas “geraram”, muito provavelmente, particularidades da cultura do homem rural do Rio Grande do Sul. O dito “amor pela terra” tem suas várias razões e motivações porque essa parte do território da América do Sul foi intensamente disputada ao longo de três séculos e coube aos brasileiros sulinos, entre eles os são-borjenses, assegurar essa posse ao Brasil. Essa situação gerou profunda identidade entre homem, terra e espírito de nacionalidade, com traços diversos nas zonas das paisagens naturais do Pampa. Por isso, não há “estranhamento” sobre a visão de orgulho, intrepidez e destemor em relação às tradições ligadas à terra por parte dos “gaúchos” nascido no Rio Grande do Sul, em que pese o domínio das propriedades ter sido privilégio de poucos”.
São Borja sofreu invasões estrangeiras sendo que foram três as principais. A primeira comandada por Andrésito Artigas, filho adotivo do caudilho Gen. José de Artigas. De origem índia, chamado Andrés Guacurari, nasceu Andrésito em São Borja. Invadiu as Missões pelo Passo de Itaqui, primeiros dias de setembro de 1816, deu cerco a São Borja, à frente de 2 mil homens, entre castelhanos e índios. Cortou os meios de abastecimento de São Borja, que tinha como comandante de suas forças o Cel. Chagas Santos, que lhe resistiu bravamente. O cerco alongou-se por duas semanas, com vários encontros sangrentos nesse período. Veio a socorro de São Borja o Cel. José de Abreu, Andrésito, entre duas frentes, foi batido completamente. Desbaratadas suas forças, cruzou de volta o Rio Uruguai.
A segunda invasão foi levada a termo sob a inspiração do caudilho e brigadeiro Frutuoso Rivera, que invadira tempos antes o território rio-grandense. Uma coluna importante, comandada por Barnabé Rivera marcha contra São Borja, então sede do comando geral das Missões, dando-lhe cerco nos últimos dias de abril de 1828. Nesta ocasião promoveu um saque na região das missões, inclusive São Borja, levando nada menos que uma incrível tropa de vinte mil vacuns, além de um botim de guerra de incalculável valor, carregado em 60 carretas puxadas por boi.
A terceira invasão foi efetivada pelas forças paraguaias no dia 10 de junho de 1865 – tempos após a declaração de guerra ao Brasil em 1864 e invasão do território do Mato Grosso pelo exército de Solano Lopes, ditador do Paraguai. Atravessando o território argentino pela Província de Corrientes – onde instalou seu centro de operações sob o comando do General Robles-Cruz Estigarribia, para invadir o Rio Grande do Sul e a Banda Orienta (Uruguai). Foi escolhido o Passo de São Borja para penetração em nosso território, o que aconteceu data anteriormente citada.
São Borja na transição para a República participou dos acontecimentos que precipitaram a decadência e a queda do Império. Na área missioneira, as dificuldades de desenvolvimentos persistiram durante todo o século XIX. Pela própria estagnação da Vila em termos econômicos, somada a falta de plena autonomia administradas ativa e ao desleixo das administrações da Província, muitas das suas lideranças políticas acabaram apostando nas mudanças políticas que acreditavam serem as necessárias aos seus interesses sócio-políticos e econômicos. Daí muitas delas trabalharem pelo advento da República no Brasil. A peculiar localização da Vila de São Borja possibilitou que, ao longo dos anos, uma identidade cultural, política e social com as populações das zonas limítrofes, isto é, com as da Argentina do Uruguai, fosse se construindo. Como explica (2011, p. 14):

As pessoas envolvidas no manejo do campo (proprietários rurais e peões) acabaram desenvolvendo manifestações culturais que materializaram símbolos, como (na lida campesina, alimentação, vestimenta, música, artesanato, dança, linguajar, monumentos e instituições culturais, entre outras). Fatores esses que acabaram contribuindo na construção do processo social e econômico regional, representando uma autoafirmação socioeconômica da classe estancieira na região. Essa conjuntura deixa transparecer que o setor primário da economia acabou gerando uma relação de poder político-social-econômico dos grandes proprietários de terras para com o restante da população. Através do discurso musical, popular e público identifica uma atitude de pertença a identidade gaúcha por parte da população.

Ainda, como referem à autora, as “formas identitárias foram originadas por várias inter-relações culturais que acabaram gerando identidades cambiantes, nas quais foi marcada por um processo de criação de traços fixos e flutuantes, o que se deu por meio de “Identidades hibridas”, muitas visualizadas por símbolos materializado, já que o referido sobre fronteiras deve considerar também o contextos das similitudes, como havia com a população argentina de Santo Tomé.
Além de muitos hábitos e tradições comuns a essas populações, foi despertado na população são-borjense o ideário político republicano, que, igualmente, teve suas influências noutras partes da Província do Rio Grande do Sul. A Guerra do Paraguai, em princípio foi fator determinante para o alargamento dessa posição republicana, visto as dificuldades que a população teve de enfrentar naqueles anos, sem contar praticamente com nenhum apoio do governo imperial, tendo que oferecer resistência, muitas vezes heroica, aos inimigos da pátria brasileira. O que ocorreu em 10 de junho de 1865, a Resistência de São Borja na invasão paraguaia pelo Passo de São Borja, obrigando seus moradores abandonar a cidade e acabaram tendo a mesma saqueada completamente.
Já no dia 7 de abril de 1881, foi fundado o Clube Republicano do Passo, mais tarde incorporado pelo Clube Republicano de São Borja. Entre seus primeiros signatários encontravam-se as figuras de Apparício Mariense da Silva, Homero e Alvaro Batista e Francisco Miranda, consideradas de grande importância no decorrer dos acontecimentos políticos do estado do Rio Grande do Sul, após a proclamação da República.
Em São Borja, os adeptos do republicanismo, através da figura de Apparício Mariense da Silva, acompanhado por mais três Vereadores, demonstraram explicitamente o descontentamento existente conta a situação de crise que vigorava em todo o Império. Foram eles os protagonistas do lançamento da moção plebiscitária no plenário da Câmara de Vereadores, segundo a qual a nação brasileira deveria se posicionar a respeito da sucessão de D. Pedro II. Após dois meses e meio de acaloradas discussões a respeito da mesma, finalmente aprovaram-na em 13 de janeiro de 1888.
Como demonstração de sua formação político-social peculiar, a Vila de São Borja, no ano de 1884, declarou libertos os seus escravos, um mês antes que a capital da Província o fizesse (O’Donnell, 1987, p.33).
Com a proclamação da República, São Borja mais uma vez na fase de transição, agora adentrava na etapa política republicana do Brasil, mantendo-se como referência estratégica da fronteira meridional do país, mas já estruturada como cidade de população expressiva e detentora de equipamentos urbanos que a equivaliam a outras de seu porte.
             São Borja contou com participação efetiva na revolução federalista de 1893, quando era governador do Estado o Dr. Júlio Prates de Castilho; na chamada revolução de 1923, esta que colocou em confronto os federalistas comandados pelo dr. Joaquim Francisco de Assis Brasil e os partidários do dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, que se perpetuava no poder do Estado após haver sucedido a Júlio de Castilhos e nas Revoluções de 30 e 32, que tinha como seu comandante em chefe o Doutor Getúlio Dornelles Vargas, então Governador do Estado. A maioria dos jovens e homens válidos marchou com Getúlio, travando combate em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, chegando alguns ao Rio de Janeiro, onde num episódio que se tornou célebre, ataram seus cavalos no Obelisco, numa das praças mais central da Capital da República. Empossado o Doutor Getúlio na presidência provisória da Nação, a maioria dessa gente voltou a São Borja. Em 32, na Revolução Constitucionalista, São Borja organizou o 14º Corpo Auxiliar da Brigada Militar, sob o comando do Cel. Honorário Benjamim Dornelles Vargas (Beijo), levando em suas colunas, entre outros, o mais tarde célebre Ten. Gregório Fortunato. O “14” tomou parte ativa e até mesmo decisiva nos confrontos, especialmente, em São Paulo.
             São Borja destacou-se sempre nos episódios político-guerreiros de formação da nacionalidade. Dentre seus filhos mais eminentes é justo destacar-se: Apparício Mariense da Silva, Coronel da Guarda Nacional, jornalista e político de renome nacional, autor da célebre Moção Plebiscitária de 13 de janeiro de 1888; Doutor Getúlio Dornelles Vargas, político de fino trato e larga visão que galgou todas as posições da vida pública brasileira: Deputado Estadual, Deputado Federal, Ministro da Fazenda, Governador do estado do Rio Grande do Sul e, finalmente, Presidente da República. Derrubado em 1945, voltou à presidência em 1950, pelo voto popular, suicidando-se tragicamente em 24 de fevereiro de 1954 e, dos mais atuais, Dr. João Belchior Marques Goulart (Jango) – sucessor político do Presidente Vargas: Foi Deputado Estadual e Federal, Ministro do Trabalho, duas vezes vice- presidente da República e Presidente, quando foi deposto em 1964, pelo golpe militar. Faleceu no exílio a 6 de dezembro de 1976, em Missiones, na República Argentina, onde se dedicava a pecuária e a agricultura.
           São Borja destaca-se na arte musical a partir da fundação de “Os Angueras – Grupo Amador de Arte, pelos saudosos Apparício Silva Rillo e José Lewis Bicca entre outros, com o tema de Cantigas de Rio e Remo e o Missioneiro, somando-se aos Troncos Missioneiros, ou seja, Noel Guarany, Cenair Maica, Pedro Ortaça e Jayme Caetano Braun. Diz o Escritor Israel Lopes, em seu Livro Pedro Raymundo e o Canto Monarca, uma História da Música Regionalista, Nativista e Missioneira, p.179: - “Um defensor dessa integração cultural com os países do Cone Sul que se manifestou e fez um estudo esclarecedor sobre a Música Missioneira ou Ritmos de Fronteiras, foi o saudoso poeta e folclorista Apparício Silva Rillo que publicou “Fronteiras e Intercâmbio Cultural”, na Revista Nativismo, de dezembro de 1982”.
(*) Pesquisador Cultural.


Referências Bibliográficas:
         Flores, João Rodopho Amaral, A Vila de São Francisco de Borja das Missões 1834-1887.
         Lopes, Israel, Pedro Raymundo e o canto monarca: Uma história da música regionalista, nativista e missioneira. /Israel Lopes. – P. Alegre: Letra&Vida, 2013.
         MISSÕES EM MOSAICO: Da Interpretação à Prática, pág.103, 2011.

         Rillo, Apparício Silva, São Borja em Perguntas e Respostas – monografia histórica e de costumes – Coleção tricentenário – nº 2, 1982.

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