domingo, 10 de fevereiro de 2019

O MUDINHO DE SÃO BORJA

“O MUDINHO DE SÃO BORJA” O DIA MAIS FELIZ DO “MUDINHO” Para eu que frequentei o centro de São Borja, desde meus quinze anos, embora morasse no Passo; trabalhava e estudava no Centro, era comum ver o “Mudinho”, transitando em volta da Praça XV de Novembro. Embora não falasse se relacionava muito bem com as pessoas, muito simpático e divertido. Visitava, diariamente, as Lojas Comerciais, a Casa Lorde de Jorge Flores de Vargas, Casa Amilíbia de Sary Amilíbia e tantas outras; sempre bem recebido, depois ficava zanzando na Praça ou sentado debaixo da seringueira fazendo companhia para o saudoso Toco (taxista). São Borja, em 1982, completava 300 anos de fundação histórica e desenvolvia uma programação intensa, envolvendo todas as Entidades sociais, tradicionalistas... O Centro Nativista Boitatá, entre outros eventos, ficou encarregado juntamente com o C.T.G. Tropilha Crioula de organizar “As Cavalhadas”. Era um sábado à tarde os ensaios e fui convidado para assistir. Na hora da saída, passando em frente ao Sindicato Rural encontrei o “Mudinho”, bem pilchado e o levei para o referido ensaio. Chegando ao local nos deparamos com um número expressivos de cavalarianos, divididos entre Mouros e Cristãos, que logo partiram para a o treinamento, usando espada e revólver (revólver de espoleta). Na simulada batalha, no entrechoque das lutas, ora ao tinir das espadas no combate frontal, ora no tiroteio ente Mouros e Cristãos, o “Mudinho” a tudo assistira com os olhos regalados de felicidades; ria, dava com os braços, sapateava, quando por ele passavam os cavalarianos, se digladiando em volta da pista. Alternando as vantagens entre eles, de quando em vez a galope, num tiroteio serrado atrás dos Cristãos para o delírio do “Mudinho”. Terminado o ensaio o sol ia caindo no horizonte, hora de retornar, mas uma coisa me marcou: pareceu-me que foi a tarde mais feliz para o “Mudinho”, identificado pelo traje e usos e costumes do gaúcho, embora ele não pudesse expressar essa felicidade através da palavra deixou bem claro donde veio. Depois desse dia, toda a vez que o encontrava, ele me sorria estendia o dedo indicador da mão esquerda e com os dedos indicador e maior da mão direita fazia o gesto de montar a cavalo rememorando o ensaio das Cavalgadas e dava risada. São Borja, 11/08/2018. Ramão Rodrigues Aguilar.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

TAPERA ASSOMBRADA

Tapera Assombrada Num passado distante, em uma tapera de beira de estrada, passagem obrigatória dos tropeiros, que iam do extremo sul para feira em Sorocaba, interior paulista, com suas tropas de gados e Viageiros solitários, que iam e vinham de São Paulo, os chamados mascates, que trazia produtos para vender aos estancieiros e peões das fronteiras com o Uruguai e Argentina, alguns buscavam abrigo nesta tapera, onde acontecia o inusitado. Eles contavam que os desavisados que chegavam à dita Tapera para pousar, nunca conseguiram, pois há noite se ouvia gemidos, gritos de horror, depois aparecia, em forma de caveira humana, em pé, junto ao fogo de chão, onde os tropeiros envoltos estavam sentados e com um grito apavorante o esqueleto humano se esfacelava no chão. Nenhum deles resistia àquela figura sinistra e iam correndo embora, muitas vezes não dava tempo nem de pegar todos seus pertences. Apavorados de medo corriam para suas montarias e o que mais queriam era sair daquele lugar mal assombrado. Ficavam com os cabelos em pé e arrepiados, que nem ouriço. Depois do susto passado prometiam nunca mais voltar. Mas um dia resolveu aventurar-se um pelo duro da região fronteira com a Argentina, que atendia pelo apelido de Kiko e sonhava entrar para a vida de tropeiro. Kiko era um mestiço, resultado da cruza do branco com uma índia guarani, natural da cidade Uruguaia de Saltos, mas Radicada desde moça na cidade de Santo Tomé/ Argentina, trazida por um compatriota oriental de origem espanhola, chamado Desiderio. Kiko por ser filho natural, sua criação foi confiada pela sua mãe a este estancieiro. Além do Kiko ele adotou outros criados, depois de ter sido infeliz com seu primogênito, que por completa fatalidade veio cair num tacho muito grande, onde estava sendo derretidos sessenta quilos de toucinho de porco o que daria três latas de banha, sem contar com o torresmo. Desiderio desiludido com o trágico acontecimento, que comoveu toda a população da localidade de São Marcos, mais tarde, resolveu vender a estância e retornar para o Uruguai, quando seus criados já estavam adultos. Kiko por ser filho de criação foi criado no galpão, junto com os peões e demais adotados na Fazenda e todos subordinados as ordens do Capataz Cirilo, homem de confiança do Patrão, porém autoritário e injusto, especialmente com Kiko; ele estava moço e tinha muita facilidade de aprender tudo o que se relacionava com as atividades da estância. O Capataz passou a ver nele a possibilidade de perder seu emprego, dado sua competência para administrar no lugar dele resolveu desencadear uma perseguição implacável. Kiko por sua vez sabendo da confiança que seu pai depositava no capataz decidiu sofrer tudo calado passando pelas mais severas humilhações e injustiça ao ponto de abandonar a fazendo de seus pais de criação os quais tinha grande admiração, mas preferiu passar trabalho do que submeter-se as ordens do carrasco do capataz. Afamado na redondeza como um homem de grande coragem e habilidoso campeiro passou a tropear, profissão que sonhava um dia exercer. Em uma das suas viagens escolheu para passar a noite na dita tapera assombrada, pois não sabia do que vinha ocorrendo neste local, até porque estava iniciando no tropeirismo. Aqueles que ali queriam encontrar o descanso para prosseguir a viagem no próximo dia, não conseguiam enfrentar a assombração e saiam aterrorizados. Kiko chegou à tapera quando retornava da primeira tropeada e seus companheiros ficaram em Sorocaba para uma temporada de férias. O sol já ia desaparecendo no horizonte e o manto da noite começava a cobrir a abóboda celestial com o surgimento das primeiras estrelas no firmamento. Apeou da sua montaria, desencilhou e largou para pastar um pouco. Arrodeou a tapera, enquanto ainda dava para enxergar, juntou uma braçada de lenha seca e adentrou na casa indo de imediato fazer o fogo-de-chão, o local estava demarcado restava às cinzas e alguns tições apagados. Enquanto ajeitava as lenhas e o graveto procurou se familiarizar com o ambiente nada aconchegante. Logo que o fogo acendeu as labaredas clarearam todo o rancho e por um instante Kiko observava o interior daquela tapera um tanto macabra: ambiente pintado de picumã, paredes de rocha grés, piso de tijolo de cancha, cobertura de telha de canal, mostrava o sinal do tempo com a parte de madeira apodrecida e de móveis não tinha quase nada, alguns cepos que servia de banco, uma mesa velha, um catre no canto da peça e um quadro na parede com a imagem amarelada de um casal, talvez de seus antigos proprietários. O Kiko foi pegar água no poço encheu a “cambona” (chaleira), colocou no fogo e passou a cevar o mate. Espetou uma tira de charque e sentou para matear e jantar. As horas foram passando ele já pensava em dormir para continuar a viagem na madrugada do dia seguinte, quando surgiu em sua frente à maldita caveira para lhe fazer companhia. O Kiko que não era assustado deu uma olhada com o canto dos olhos, sem dar muita importância para a ameaça da caveira, que insistiu dizendo que ia cair. - Por mim que caia! Dizia o Kiko. E toda a vez que a caveira repetia que ia cair ele dizia: - por mim que caia! Na terceira vez ela se esfacelou em volta do fogo e o Kiko “nem bateu a passarinha”. A Caveira vendo que o índio não era assustado se reconstitui, agora envolto de uma luz colorida e começou novamente a falar. -Te felicito por ter passado por estas provas de coragem as quais nenhum, dos que te antecederam não conseguiram resistir. - Eis o teu prêmio: Ao sair pela porta, tua vida vai começar a mudar, conta trinta e três passos, em linha reta, vai encontrar um cupim de formiga, pode cavar em volta e com o auxilio de uma alavanca, que está no local, vire o cupim e logo abaixo encontrarás um grande tesouro, recolha e minha alma se libertará e vou ter o meu descanso. Dito isto a caveira desapareceu. Ainda meio descrente com tudo que viu, duvidando daquela aparição, mas foi tirar a limpo. Vamos que seja verdade pensou Kiko... Fez o que lhe tinha sido indicado. Usou a alavanca para remover o cupim e lá em baixo estava uma talha de barro, repleta de moedas e barras, todas de ouro, de cujo valor daria para comprar uma fazenda povoada de gado, o que sonhava um dia conseguir. Já vinha surgindo a barra do dia e os primeiros raios de sol coloriam as nuvens em tom de aquarela e o Kiko encilhou sua montaria e partiu levando o inestimável tesouro. Deixou no local a talha quebrada e vazia como prova de sua façanha e retornou para sua querência, com o pensamento fixo na mesma trilha que o levara até a tapera assombrada e a emoção de ver sua vida mudada para melhor, enquanto uma suave aragem lhe acariciava o rosto lhe dando as boas vindas. De volta à querência, abonado pela sorte soube que a fazenda a qual passou grande parte da sua vida estava à venda. Com o recurso do enterro deu para comprar e ainda sobrou dinheiro para reorganizar a granja dota-la com melhores equipamentos de produção; planteis de gado com raça mais apurada. Readmitiu os peões, inclusive o capataz, aquele que foi seu algoz.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Borges do Canto

JOSÉ BORGES DO CANTO Por Ramão C. Rodrigues Aguilar e Ronaldo Bernardino Colvero (*) Considerado pela historiografia como o conquistador das missões, teve um papel de destaque no período de 1801, quando da conquista do território das missões, aqui nos reportamos em especial aos seus feitos por São Borja, espaço este criado a partir de 1682 onde se iniciou o processo de criação do que seria mais tarde lá pelo ano de 1690 o povo de São Borja, organizado após a primeira fase das Missões Orientais, que haviam sido derrocadas pela invasão dos bandeirantes, que as destruíram totalmente. São Borja, povoada por índios reduzidos, sob a jurisdição social dos jesuítas e tutela política da Espanha, passou a domínio português no ano de 1801, através da conquista do Território das Missões por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso. Foi pela distribuição das sesmarias aos soldados e colonos portugueses, que se iniciou efetivamente o povoado sob o cetro da coroa portuguesa. Biografia: Borges do Canto nasceu em 17 de fevereiro de 1775, em Rio Pardo. Seu pai era Francisco Borges do Canto, descendente da Ilha de São Miguel, nos Açores. Sua mãe chamava-se Eugênia Francisca de Souza, era natural da Colônia do Sacramento e faleceu em 1801. Seus tios, assim como seu pai, eram laguanenses de nascimento, que constituíram uma grande família e vieram para Rio Pardo. Em 1791, com 16 anos, José Borges do Canto foi incorporado como soldado à 8ª Companhia do Regimento de Dragões em Rio Pardo. Em 1793, com 18 anos, desertou do Regimento de Dragões, deslocando-se para a Campanha do Rio Grande de São Pedro. No que se refere à família de José Borges do Canto, é possível verificar que este possuía dez irmãos de pai e mãe e, somente uma irmã de outro casamento de seu pai. São eles: Rosaura Francisca, Bernardo José do Canto, Francisca Margarida, Joaquina Francisca, Esméria, Francisco Borges do Canto, João Borges do Canto, Manuel Borges do Canto, Ana e Maria Francisca, todos os filhos do primeiro matrimônio. Um ano após a morte de D. Eugênia Francisca, Francisco Borges do Canto consumou o segundo matrimônio com Feliciana Rosa de Jesus, tendo uma filha, chamada Alexandrina. Quando desertou do Regimento de Dragões, Borges do Canto permaneceu na Campanha do Rio Grande de São Pedro por vários anos, juntamente com índios gentios Charruas, Minuanos, Yarós, refugiados e criminosos de diferentes regiões, praticando o contrabando do gado oriundo da campanha espanhola e também fazendo saques contra comunidades existentes na campanha, proporcionando, assim as chamadas “pilhagens”. No que se refere aos interesses defendidos por Borges do Canto, percebe-se que existiu uma dualidade, ou seja, ao mesmo tempo em que Borges do Canto conquistava novas terras para a coroa portuguesa, também defendia seus interesses particulares, referentes ao número de capital, possibilitando a ele e aos seus familiares uma ascensão social perante a sociedade do século XIX. Foi através de uma numerosa família, que os Borges do Canto uniram-se, ou seja, com o casamento arranjado com outras famílias, se tornaram um dos mais importantes núcleos familiares sul-rio-grandenses. Desses casamentos surgiram numerosas famílias, como: os Cunha e Souza, os Meirelles, o Padre João de Santa Bárbara, os Silveira Peixoto, os Domingos, os Baltazar de Bem, os Borges de Medeiros, os Câmara Canto e outros. A parceria entre José Borges do Canto, Manoel dos Santos Pedroso e Gabriel Ribeiro de Almeida, que constituíam o chamado pelotão de gaudérios sulinos, que marcaram a história da Província do Rio Grande de São Pedro em meados do século XIX. Justificativa: Vários estudiosos que se dedicaram a historiografia da ocupação do território das Missões, antes e depois da conquista, são unânimes em afirmar que Borges do Canto, além de desertor era contrabandista, contudo estes mesmos historiadores reconhecem a legitimidade da conquista do território das Missões por José Borges do Canto e a sua vida particular torna-se irrelevante diante do fato histórico. Assim anuncia o jornalista, historiador e escritor Roberto Rossi Jung, em sua obra A Odisseia de José Borges do Canto – O Conquistador das Missões, na primeira orelha do referido livro. José Borges do Canto e sua comparsa de 40 intrépidos salteadores, semil ao épico de Scherazade – Ali Babá e os 40 ladrões – numa patriotada bem sucedida empurraram as fronteiras luso-brasileiras até as margens do rio Uruguai, aumentando em quase um terço o território da então Capitania do Rio Grande de São Pedro, dando a configuração atual do nosso Estado. Sua vida pessoal, sua atividade como contrabandista, donde pese as narrativas passam a depor em seu favor, considerando a façanha, que levou Borges do Canto, a alcunha de “Conquistador das Missões”, e, para tanto, somos justos em reconhecer seus atributos guerreiros, estrategista implacável e profundo conhecedor da Região, onde foi o teatro de suas operações de conquista. Existem vários aspectos a ser considerado na conquista das Missões, o que influenciaram no empreendimento bem sucedido de Borges do Canto: - O momento histórico de Guerra na Europa entre Portugal e Espanha, chamada de guerra das laranjas; - Os ventos de liberdades que sopravam na América Platina, a forte influencia do caudilho Artigas; - O espírito de brasilidade que motivou o conquistador para empreender tão arrojado projeto; - A participação de seus companheiros inseparáveis os índios Xiru e Itaqui e a liderança para formação de um exército onde a grande maioria era indígena; - Caciques José Boroné, stevão Atamani, Miguel Antonio, Vicente Tiraporé, José Guarupui, entre outros... - Reconhecer a participação decisiva do índio na conquista; - A audácia de Borges do Canto, quando enfrentou o Comandante das forças imperiais, sediados em Rio Pardo, quando poderia ter sido simplesmente preso por ser um desertor; - A coragem para enfrentar o Exército espanhol com suas comandâncias instaladas no território missioneiro; - E, após conquista as transformações sociais, econômicas, geopolítica, a ocupação da terra, vinda de um governo laico espanhol para um governo laico luso-brasileiro; - A colonização do Estado pela privatização da terra com a distribuição de sesmaria, num sistema capitalista. CONCLUSÃO O desprendimento de Borges do Canto em não aceitar salário, nem antes nem depois de ter recebido a patente de Capitão do Exército Imperial, nem sesmarias de Terras, tudo julgou desnecessário, menos a liberdade. Da liberdade não abriu mão, pois não existia fronteira para seu galopar, tanto nas margens orientais como nas margens ocidentais do grande rio Uruguai, ora nas Missões, ora no Uruguai e ora na Argentina. Preferiu voltar fazer o que fazia antes, ele e seus dois inseparáveis amigos, Xirú e Itaqui, mas numa situação bem diferente, pois antes todos o tratavam como tal e depois da conquista, todos os Castelhanos eram seus inimigos, ele contra todos. Vindo a morrer pela causa que abraçou e a sua vitória lhe custou a sua própria vida. Foi vítima de uma covarde emboscada, arquitetada por um espanhol, por ele ferido em combate, num momento de descuido foi morto a tiros de mosquetão, cobrindo a terra com um manto vermelho de sangue, como a selar seu juramento de amor à liberdade e morrer pela sua Pátria. Dois atributos, entre tantos, a liberdade e o patriotismo. Esta seria uma pequena justificativa para a pretensão que temos de recuperar a memória de José Borges do Canto, propondo que seja erigido um Monumento, compreendendo a figura principal do herói e de seus dois índios inseparáveis. Esta justificativa feita para tentar reconhecer e projetar um pouco dos méritos de José Borges do Canto, o Conquistador das Missões, no sentido de começar saldar a dívida de gratidão, da qual somos todos devedores, eternizando, também, no bronze sua memória e de seus inseparáveis companheiros Xiru e Itaqui. A eles devemos o fato de ser cidadão de uma São Borja Brasileira, pois sua invasão as missões praticamente legitima os portugueses como verdadeiros donos desta terra, claro que o tratado de Madri já o tinha feito, mas a consolidação deu-se com este personagem histórico. Somos de parecer favorável a qualquer empreendimento que recupere a memória deste vulto histórico ou de outro personagem que possa ter influenciado na identidade de São Borja, terra das Missões e dos Presidentes. São Borja, 21 de outubro de 2010. (*) Membros, do Conselho de Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural de São Borja. Fonte: - Jornalista, historiador e escritor Roberto Rossi Jung, em sua obra A Odisséia de José Borges do Canto – O Conquistador das Missões; -Historiador Amaral Flores em sua obra a História de São Borja. - Monográfia de Graduação de Astrogildo Chaves Pires (Urcamp, 2007) - Negócios na Madrugada, Ronaldo B. Colvero. (UPF, 2004).

domingo, 3 de agosto de 2014

Aimé Bonpland

AIMÉ JACQUES ALEXANDRE GOUJAUD BONPLAND Por Ramão C. Rodrigues Aguilar e Ronaldo Bernardino Colvero (*) Considerado pela historiografia e por grande parte da comunidade cientifica como um dos maiores exploradores das Américas do Sul e Central tiveram destacado papel no continente americano no período de 1799, quando aqui aportou em sua primeira viagem de exploração, até 1858, ano em que veio a falecer em sua propriedade na Província de "Corrientes". Jacques Bonpland, grande botânico, médico, explorador, filantropo, educador político, comerciante e industrial francês, celebrizou-se pelas viagens de exploração que fez ao continente americano, e pela surpreendente decisão de renunciar aos sofisticados meios científicos e sociais de que dispunha na Europa, para radicar-se no turbulento continente sul-americano do século XIX. Na America, escolheu como local para residir a Província de "Corrientes" na Argentina, mas, no entanto, por um longo período após ter sido libertado do aprisionamento que sofreu por ordem do ditador paraguaio Rodriguez de Francia, Bonpland fixou residência em São Borja, onde tendo uma vida simples e humilde dá continuidade as suas pesquisas e envolve-se na situação política conturbada em que vivia o território. Biografia: Aimé Bonpland nasceu em vinte e dois de agosto de 1773 na cidade portuária de La Rochelle na França. Seu verdadeiro nome era Aimé-Jacques Alexandre Goujaud, era filho de Marguerite-Olive de La Coste e de seu marido Simon-Jacques Goujaud, descendente de uma conhecida família de médicos e farmacêuticos, mestre em cirurgia e cirurgião-chefe do hospital de La Rochelle. Recebeu de seu pai a alcunha Bonpland, que adoptaria como nome, e pela qual ficaria conhecido. Destinado a seguir a carreira paterna, Bonpland fez os seus estudos preparatórios em La Rochelle, demonstrando desde muito jovem interesse pelas Ciências Naturais, paixão que partilhava com seu pai. Em 1791, ainda com apenas 17 anos de idade, parte para a capital francesa onde cursa estudos de anatomia e nesta mesma época, inicia o estudo da botânica e relaciona-se com os famosos naturalistas Jean-Baptiste Lamarck, Antoine Laurente de Jussieu e René Louiche Desfontaines. É então que nasce a sua dedicação à ciência, especialmente à botânica. Entretanto aprofunda-se a grande convulsão social desencadeada pela Revolução Francesa, o país entra em convulsão e Bonpland é obrigado em 1793 a alistar-se nas forças armadas. Embarca como ajudante de cirurgião numa Fragata que participa na luta contra as forças britânicas no Atlântico. Permanece cerca de dois anos em serviço militar. Neste período Frequentou a Escola Naval de Medicina em Rochefort e obteve o grau de cirurgião. Nos anos seguintes regressa a Paris, onde conclui os seus estudos com a obtenção do grau de doutor em medicina. Entretanto, continua os seus estudos de ciências naturais, convivendo com os melhores cientistas da época. É neste meio acadêmico que em 1798 Conhece Alexander Von Humboldt, com quem passa a pleitear junto ao governo Frances o apoio para uma viagem de exploraçao à África e ao sueste asiático. A viagem a África não foi realizada por falta de apoio governamental, mas Bompland e Humblodt tornam-se grandes amigos e passam a idealizar uma expedição ao continente americano, com o nítido objetivo de explorar a América Central e do Sul. Ainda em 1798 conceguem com o rei espanhol Carlos IV a autorização para a viagem de exploração pelas terras da Espanha na América. Obtida a autorização, aos 25 anos, Bonpland parte da Europa com destino ao continente americano em 1799 a bordo da corveta de guerra Pizarro. A viagem durou cinco anos e levou-os à Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Brasil na America do Sul e ainda, ao México e ao Estados Unidos, apenas terminando em agosto de 1804 com seu retorno a Bordéus. A viagem de exploração de Bonpland foi repleta de imprevistos, mas ele percorreu pra mais de dez mil quilômetros pelo interior da América, se dedicando primordialmente ao recolhimento, catalogação e identificação das propriedades de diversas especies e gêneros de plantas. Na exporação, procurou também, capturar e preservação de incetos, os quais remeteu posteriormente para Europa para a análise e estudo. Para facilitar a compreensão da viagem, esta pode ser dividida nos seguintes trajetos e períodos: • Venezuela e Brasil: Junho de 1799 a Dezembro de 1800; • Cuba: Dezembro de 1800 a Março de 1801; • Colômbia, Peru e Equador: Março de 1801 a Março de 1803; • México: Março de 1803 a Abril de 1804; • Cuba e Estados Unidos da America: Abril de 1804 a Agosto de 1804. Em seu percurso iniciado na Venezuela fez varias descobertas com inéditas com relação a fauna e a flora. Aproveitando que ao penetrar o inóspito território deparava-se com diversas tribos nativas, que por sinal na maioria das vezes eram hostis a presença de europeus Bomplande estendeu o seu interesse à antropologia, estudando as características dos povos que encontrava e os traços mais salientes das suas culturas. O contacto dos exploradores com as populações andinas permitiu trazer até aos meios cultos da Europa notícias concretas sobre a riqueza etnográfica e cultural daqueles povos, permitindo melhor compreender a riqueza do seu passado e os enormes valores arqueológicos existentes naquela região do mundo, e demonstrando que as civilizações ameríndias da América do Sul em nada tinham sido inferiores às suas contemporâneas da bacia mediterrânica. Em agosto de 1804 Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland retornam para a Europa, mais especificamente Bordéus na França, trazendo toneladas de amostras de animais e plantas colhidas ao longo de 5 anos de viagem pelas Américas. Encerrava-se assim uma das expedições científicas mais importantes do século XIX. A expedição de Humboldt e Bonpland teve um significado especial para o Brasil e para a Venezuela, devido ao mapeamento da ligação dos rios Orinoco e Negro e à descrição de milhares de espécies animais e vegetais comuns àquelas duas bacias hidrográficas, até ali desconhecidas pela ciência ocidental. Após o seu regresso da expedição à América, Bonpland fixa residência em Paris para preparar, em colaboração com o seu infatigável amigo Alexander Von Humboldt, a publicação dos resultados científicos do seu périplo pelo Novo Mundo. Também se dedicam a ordenar os seus herbários, que depositam no Museu do Jardim de Plantas de Paris. Neste período Bompland conhece apaixona-se por Adelia Bouchy, que era casada com com um senhor Boyer . Daí resultou um escândalo, cujo desfecho foi o divórcio de Adelia. Sem aprovação familiar, contrai matrimônio com ela. Foi então que Bonpland decidiu retornar à América, aceitando o oferecimento de Simón Bolívar para se radicar na Venezuela. Contudo, em Outubro de 1816, parte para Buenos Aires, acabando por optar pela aceitação de um convite de Bernardino Rivadavia, que em 1814 conhecera em Londres, e que lhe prometera apoio para a criação de um Jardim Botânico e para a refundação do Museu de Ciências Naturais de Buenos Aires. Quando retornou a América, Bompland trouxe a esposa, a filha dela e dois ajudantes. Levava também consigo livros, grande quantidade de sementes e duas mil plantas, repartidas entre plantas medicinais, frutícolas, hortaliças e ornamentais. Nesta fase em que viveu em Buenos Aires reparte o seu tempo entre o exercício da medicina e o colectar de espécies vegetais raras, contribuindo também para os periódicos locais com preciosas questões ligadas às ciências naturais. Por esta altura encontra na Isla Martín Garcia, restos de cultivo da erva-mate, ali há muito introduzida pelos jesuítas, matéria pela qual se interessa e que influirá decisivamente na sua carreira futura. Devido a problemas pessoais enfrentados por sua esposa e também por que as circunstâncias políticas momentaneamente não permitiam a instalação do Jardim Botânico e do Museu de História Natural Bonpland decidiu deixar Buenos Aires e fazer uma viagem ao Paraguai e a Província de Missiones. Em 1820 dirige-se para Província de Corrientes com o objetivo de estudar a erva-mate em seu habitat natural, e após explorar esta Província em fim vai para Missiones estabelecendo-se no povoado de Santa Ana de los Guácaras. Nessa localidade organiza em Junho de 1821, uma estância agrária destinada à exploração da erva-mate e inicia a exploração sistemática das zonas onde aquela planta fora cultivada pelos jesuítas e pelos povos indígenas. Ajudado pelos seus conhecimentos em botânica e jardinagem, o pacifico naturalista obteve sucesso em seu novo empreendimento, mas ignorava que a produção e o comércio da erva-mate era monopolio do Paraguai que era controlado pelo ditador José Gaspar Rodriguez de Francia. Este país mantinha conflito com a província argentina de Corrientes pela possessão das Missiones, na margem esquerda do Rio Paraná. Resultou desta situação que em dezembro de 1821, cerca de 400 soldados paraguaios invadem a estância de Santa Ana e destroem-na, matando alguns indígenas e levando Bonplande ferido para a aldeia de Santa Maria de Fé na margem direita do Rio Paraná, aonde permaneceu por nove anos aprisionados sobre ordem direta do ditador Francia, mas com liberdade de movimento e sem correntes. Apesar de sequestrado, isto é, de estar sem o direito de retirar-se do território paraguaio, Bonpland podia continuar trabalhando com botânica e também realizando serviços médicos e humanitários. Por ser bastante reconhecido por suas expedições e descobertas científicas, ao saberem de seu aprisionamento vários de seus amigos e admiradores intentaram sua liberdade, mas nao obtiveram resposta de Francia. Libertado em 1829, Bompland resolve permanecer no território paraguaio até 1831, quando dali retira-se e vai para o povoado de São Borja Na margem direira do Rio Uruguai e antiga missão jesuítica, ali se fixando sem luxo algum. A partir de São Borja passou a recorrer toda a região e voltou a recolher espécies animais e vegetais as quais remetia a a Buenos Aires com o objetivo de enrriquecer o Museu de História Natural local e de fazer chegar algumas a Europa. Em 1838, vai a Buenos Aires e consegue do goveno argentino a cedência de alguns terrenos na Província de Corrientes, proximos ao passo de Santa Ana, aonde reinicia o cultivo da erva-mate e a criação de gado, tornando-se um próspero produtor rural. Devido ao seu profundo espirito liberal e suas arraigadas convicçoes democráticas adquiridas no tempo da Revolução Francesa, Bompland envolvesse na turbulenta política local, engajando-se fortemente na defesa dos interesses da Província de Corrientes. Após uma série acontecimentos políticos desfavoráveis a sua causa, em 1842 Bompland refugia-se novamente em sua propiedade em São Borja, hospedando ali alguns amigos seu que eram exilados politicos de Corrientes. Nos anos seguintes reinicia suas atividades agrícolas e comerciais que haviam sido interrompidas pela guerra, viajando pelo interior do Brasil onde fez negócios com a indústria da erva-mate e de criaçao de gado, principais atividades de sua fazenda. Logo em seguida retorna definitivamente a sua estância em Santa Ana mas permanece a fazer constantes viagens a São Borja. No ano de 1858, aos 85 morreu em sua propriedade em Santa Ana, localidade que hoje em sua homenagem e denominada Bonpland. E seus restos mortais foram sepultados no cemitério de Passo de los Libres aonde até hoje permanece em uma humilde urna. Justificativa: Baseado em várias produções a maioria delas de origem Europeia e levando e consideração toda a coletânea de descobertas feita por Aimé-Jacques Alexandre Bonpland e absolutamente indiscutível que a viagem do citado explorador a América é a maior expedição científica ocorrida no século XIX. Nas terras americanas de difícil acesso, o dedicado cientista Frances desenvolveu pesquisas, inicialmente na companhia de seu amigo Alexander Von Humboldt em diversas áreas, sendo algumas delas: Botânica, zoologia, geologia, antropologia, fitogeografia, climatologia e a relação entre fauna, flora e o clima entre outras. Na maioria das vezes, o nome de Bonpland não figura, na América, no rol dos grandes personagens que significativamente contribuiram para o desenvolvimento da ciência e para a liberdade e soberania deste território, e isso, com certeza dá-se devido ao fato de ele nunca ter ocupado cargos políticos de grande visibilidade, e até mesmo, por em momento algum ter almejado posição de liderança perante seus pares. No entanto, a sua história é extrema mente rica de feitos e eventos que inequivocamente marcam o seu engajamento na busca pelo desvendar do conhecimento científico e na luta, ainda que silenciosa, na defesa dos direitos humanos, liberdade e democracia, entre os quais podemos sucintamente citar: • Participação ativa, prestando serviços humanitários e atendimentos médicos, na Revoluçao Francesa quando ainda em formação profissional. • Busca constante pelos conhecimentos que favorecessem o desenvolvimento e aprimoramente das ciências naturais. • Expedições de exloração científica pelo interior da França, pela Espanha e a mais importante delas, por quase todo o território do continente americano. • Recolhimento catalogação e descrição das propriedades de milhares de espécimes de plantas e incetos, sendo que a grande maioria deles desconhecidas pela botânica européia até o momento. • Observações e análises sobre a geografia, geologia, clima e topografia do até então quase desconhecido continente americano. • Contato antropológico com tribos nativas e importantes afirmações sobre os significativos traços culturais das mais importantes sociedades pré-colombianas demonstrando que elas em nada eram deficientes quando comparadas com as da bacia Mediterrânea. • Defensor da liberdade foi contrario, juntamente com Humboldt, ao escravagismo e tráfico negreiro verificado especialmente em Cuba na América Central. • Desprendimento em prol da ciência de mesmo após ter sua competência reconhecida, optar por deixar o conforto e modernidade que a Europa lhe oferecia e vir radicar-se no ainda inóspito continente americano. • Mesmo no período em que esteve sequestrado pelo governo ditatorial de Francia, teve sua condição profissional reconhecida, mantendo o direito de pesquisar e realizar trabalhos médicos. • Engajamento na luta de libertação que se desenvolveu no continente sul americano no inicio do século XIX, principalmente em favor da Província de Corrientes, território argentino em que tinha propriedade. Inclusive transformando sua humilde residência em São Borja em local de asilo político para alguns dos principais perseguidos pelas forças regime CONCLUSÃO O desprendimento de Aimé Bonpland, de ter decidido vir explorar o continente americano em um período que na América não lhe foi oferecido nenhum apoio logístico à pesquisa, com certeza urge em ser reconhecido. Até porque, mesmo depois de já ter seu nome e desempenho profissional amplamente reconhecido nos melhores centros de pesquisa europeu, Bonpland decide abandonar Paris com sua Familha e vir residir na América do Sul. Motivado não por interesses financeiros ou de engrandecimento pessoal, o nobre pesquisador continuou por todo o período em que permaneceu na América a dedicar-se ao desenvolvimento da ciência sem, contudo afastar-se das principais lutas políticas e sociais que enfrentava sociedades em que ele estava envolto. Desta forma, julgamos que temos aqui uma justificativa para a pretensão que temos de recuperar a memória de Aimé Jacques Alexandre Goujaud Bonpland, propondo que seja erigido um Monumento, compreendendo a figura principal pesquisador e cientista que esteve na América no século XIX, e que por um longo período residiu no município de São Borja. Esta justificativa feita para tentar reconhecer e projetar um pouco dos méritos de Bonpland, grande botânico, médico, explorador, filantropo, educador, político, comerciante e industrial, do qual somos todos ainda que não reconhecidamente devedores, eternizando, também, no bronze sua memória. Assim, somos de parecer favorável a qualquer empreendimento que recupere a memória deste vulto histórico ou de outro personagem que possa ter influenciado na identidade de São Borja, terra das Missões e dos Presidentes. São Borja, 12 de novembro de 2010. (*) Membros, do Conselho de Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural de São Borja.

terça-feira, 29 de julho de 2014

São Borja - Umas das mais Significativas Histórias da América Latina

São Borja – Uma das mais Significativas Histórias da América Latina
Ramão Aguilar (*)

São Borja, sob a invocação de São Francisco de Borja, foi fundada em 1682, segundo alguns historiadores, que apontam este ano como sendo o da fundação histórica, mas outros tem como ano de fundação o de 1687, quando foi oficialmente instalado, passando a ter livros próprios de assentamentos, o que antes eram feitos nos livros da redução de origem. Seu fundador o jesuíta Francisco Garcia de Prada, na 2ª fase reducional da Companhia de Jesus, à margem esquerda do Rio Uruguai, quase fronteira à Redução de Santo Tomé/RA. Constituiu-se no primeiro dos Sete Povos a ser organizado após a primeira fase das Missões Orientais, derrocada pela invasão dos bandeirantes, que as destruíram completamente.
Povoado por índios reduzidos, que migraram da Redução de Santo Tomé, num total de 1952 “almas”, sob a jurisdição social e religiosa dos jesuítas e tutela política da Espanha. Importante citar que também faziam parte desse espaço os índios não catequisados, pertencentes a outras etnias aborígenes, como por exemplo, charruas, guenoas e minuanos.
Estudos recentes dão conta de apresentar que o espaço de conversão não eliminou o processo de relação que sempre existiu entre os índios aldeados e os índios infiéis. Também é de conhecimento que alguns índios considerados infiéis, acabaram se estabelecendo nas reduções através de acordo entre os missionários e os caciques infiéis. Porém nada foi mais significativo para a permanência destes grupos infiéis na banda oriental do Rio Uruguai do que a necessidade de persistir a supremacia territorial e cultural diante de outros grupos indígenas. Esse caso foi lembrado pelo religioso Francisco Garcia, quando expos as desavenças que existiram entre os guenoas e os yarós – dois grupos indígenas que transitavam no espaço do pampa. (Missões em Mosaico: Da Interpretação à Prática, pág.103).
As demais Reduções, além da de São Francisco de Borja são: São Nicolau, fundada em 2 de fevereiro de 1687, reconstruída materialmente no mesmo local onde já existia antes, sob este mesmo nome, na primeira fase das Missões Orientais. Ainda em 1687, em data não precisada, São Luiz Gonzaga e, no mesmo ano, a de São Miguel Arcanjo, que foi a mais florescente dentre todas da segunda fase das Missões. Em 1690, São Lourenço Mártir, originada da Redução de Santa Maria Maior, sita a margem  direita do Rio Uruguai, onde integrava as antigas Reduções do Paraná. Em 1697, como desdobramento do Povo de São Miguel, foi fundada São João Batista, pelo Pe. Antônio Sepp. Finalmente, em 1706, Santo Ângelo Custódio, provindo, como a de São Luiz Gonzaga, da antiga redução de Conceição. Teve seu primeiro assento de batismo em 12 de agosto desse mesmo ano.
O declínio da Redução de São Francisco de Borja, bem como das demais Reduções ocorreu a contar da assinatura do Tratado Madrid, em 13 de janeiro de 1750, celebrada entre as cortes de Portugal e Espanha – onde esta cedia o Território das Missões, recebendo, em troca, a Colônia do Sacramento – hoje integrante da República Oriental do Uruguai.
Os padres da Redução de São Borja, como os das demais reduções, não conseguiram convencer os índios à obediência do Tratado. Com a volta aos antigos povos originaram-se os atritos que os conduziram à chamada “Guerra Guaranítica”, contra os interesses já coligados de Portugal e Espanha. Na chamada batalha de Caabaté, ou Caiboaté, de 7 a 10 de fevereiro de 1756, onde Espanha e Portugal, com suas forças coligadas, sustentaram o decisivo confronto com os índios sublevados. Neste combate foi dizimado o exército missioneiro, integrado por um em meio milhar de índios, numa verdadeira, sangrenta e inominável chacina. Em 17 de maio de 1756 Espanha e Portugal tomam e arrasam São Miguel e impõem a definitiva rendição dos Povos missioneiros.
A partir deste acontecimento a Região Missioneira passa a ser administrada por prepostos do Governo de Buenos Aires. Estes administradores, em São Borja e nos demais Povos, tratavam o índio como escravos, apossando-se dos bens materiais, que ainda restavam, não impunham métodos corretos de administração, ao ponto de um sem número de índios voltarem à sua vida primitiva.
São Borja passou ao domínio português no ano de 1801, através da conquista do Território das Missões por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso. Estas histórias do que hoje é o município de São Borja, localizado no extremo oeste do estado do Rio Grande do Sul, com a sua trajetória desde a origem reducional do século XVII, passando pelo Império Brasileiro e vivendo a República até nossos dias.
Em 04 de abril de 1834 era juramentado na Câmara Municipal de Rio Pardo e logo eleito vereador da Câmara de São Borja, o seu primeiro presidente, João José da Fontoura Palmeiro. Sendo que a Vila foi instalada em termo Municipal em 21 de maio deste mesmo ano.
Em 08 de maio de 1816, havia sido elevada à categoria de Freguesia pelas autoridades eclesiásticas, havendo passado em 03 de dezembro de 1819, à cabeça de Comarca Eclesiástica. Por Lei Provincial nº 26 de 22 de outubro de 1846 era elevada à condição de Paróquia, sob invocação – agora oficial – de São Francisco de Borja, ele que foi chamado Francisco de Borja Y Aragón, foi membro importante da nobreza espanhola, filho do 3º Duque de Gandia e de D. Joana de Aragón, nasceu na região da Catalunha, em 28 de outubro de 1510, da qual chegou a ser Vice-rei, ainda jovem ingressou na Companhia de Jesus, chegando ao posto de 3º Geral da Ordem. Canonizado em 29 de junho de 1670.
A Lei nº 185, de 22 de outubro de 1850, criava em São Borja sua primeira Comarca. Finalmente, em 21 de dezembro de 1887, era elevado à condição de cidade – título honorário concedido pelo Império – através da Lei nº 1614 do Governo Provincial.
Após o plebiscito emancipacionista, pela Lei Estadual nº 5059, de 12 de outubro de 1965, era desmembrada uma parcela considerável da área geográfica de São Borja, formando-se no Município de Santo Antônio das Missões, com sede na então Vila 13 de Janeiro. Ainda no processo emancipatória mais uma parcela da área pertencente a São Borja foi desmembrada pela emancipação do distrito de Itacurubi em 1988, ano da criação do Município de Itacurubi e por último foi à vez do antigo Distrito de Garruchos a ter sua emancipação, atual Município de mesmo nome, emancipado em 20 de março de 1992.
“Neste contexto de fronteiras internacionais a comunidade de São Borja, na atualidade, é referida pelos brasileiros como “Terra de Presidentes” e pelos seus munícipes, como “Terra de Valor”. Estas são as lembranças na memória coletiva, entre os muitos flashes sobre a história brasileira, porque são dois são-borjenses ilustres, ou seja, os Ex-Presidentes da República, Getúlio Dornelles Vargas e João Belchior Marques Goulart, os quais tiveram papéis marcantes na história do país no século XX. Por outro lado, especialmente na comunidade gaúcha, e de modo especial na região das antigas Missões Jesuíticas da América do Sul, São Borja é distinguida como um dos Sete Povos espanhóis do século XVII. Distinção esta que avança pelos séculos XVIII e XIX, trazendo uma marca indelével nesta significação histórica. Assim, decorrido quase quatro séculos, mantém-se como um marco do povoamento brasileiro perene no coração do Pampa da América do Sul. Por isso é uma terra de tantos valores simbólicos e prova viva de um passado de múltiplos acontecimentos”.
 “Isso confere a São Borja a condição quase única naquilo que muito se enfatiza na atualidade, ou seja, empiricamente na academia ou através dos juízos de valores expressos pelo povo sul-rio-grandense sobre a verdadeira origem e evolução do “gaúcho” latino-americano, porque seus povoamentos reuniram essas diferentes etnias e o convívio entre elas “geraram”, muito provavelmente, particularidades da cultura do homem rural do Rio Grande do Sul. O dito “amor pela terra” tem suas várias razões e motivações porque essa parte do território da América do Sul foi intensamente disputada ao longo de três séculos e coube aos brasileiros sulinos, entre eles os são-borjenses, assegurar essa posse ao Brasil. Essa situação gerou profunda identidade entre homem, terra e espírito de nacionalidade, com traços diversos nas zonas das paisagens naturais do Pampa. Por isso, não há “estranhamento” sobre a visão de orgulho, intrepidez e destemor em relação às tradições ligadas à terra por parte dos “gaúchos” nascido no Rio Grande do Sul, em que pese o domínio das propriedades ter sido privilégio de poucos”.
São Borja sofreu invasões estrangeiras sendo que foram três as principais. A primeira comandada por Andrésito Artigas, filho adotivo do caudilho Gen. José de Artigas. De origem índia, chamado Andrés Guacurari, nasceu Andrésito em São Borja. Invadiu as Missões pelo Passo de Itaqui, primeiros dias de setembro de 1816, deu cerco a São Borja, à frente de 2 mil homens, entre castelhanos e índios. Cortou os meios de abastecimento de São Borja, que tinha como comandante de suas forças o Cel. Chagas Santos, que lhe resistiu bravamente. O cerco alongou-se por duas semanas, com vários encontros sangrentos nesse período. Veio a socorro de São Borja o Cel. José de Abreu, Andrésito, entre duas frentes, foi batido completamente. Desbaratadas suas forças, cruzou de volta o Rio Uruguai.
A segunda invasão foi levada a termo sob a inspiração do caudilho e brigadeiro Frutuoso Rivera, que invadira tempos antes o território rio-grandense. Uma coluna importante, comandada por Barnabé Rivera marcha contra São Borja, então sede do comando geral das Missões, dando-lhe cerco nos últimos dias de abril de 1828. Nesta ocasião promoveu um saque na região das missões, inclusive São Borja, levando nada menos que uma incrível tropa de vinte mil vacuns, além de um botim de guerra de incalculável valor, carregado em 60 carretas puxadas por boi.
A terceira invasão foi efetivada pelas forças paraguaias no dia 10 de junho de 1865 – tempos após a declaração de guerra ao Brasil em 1864 e invasão do território do Mato Grosso pelo exército de Solano Lopes, ditador do Paraguai. Atravessando o território argentino pela Província de Corrientes – onde instalou seu centro de operações sob o comando do General Robles-Cruz Estigarribia, para invadir o Rio Grande do Sul e a Banda Orienta (Uruguai). Foi escolhido o Passo de São Borja para penetração em nosso território, o que aconteceu data anteriormente citada.
São Borja na transição para a República participou dos acontecimentos que precipitaram a decadência e a queda do Império. Na área missioneira, as dificuldades de desenvolvimentos persistiram durante todo o século XIX. Pela própria estagnação da Vila em termos econômicos, somada a falta de plena autonomia administradas ativa e ao desleixo das administrações da Província, muitas das suas lideranças políticas acabaram apostando nas mudanças políticas que acreditavam serem as necessárias aos seus interesses sócio-políticos e econômicos. Daí muitas delas trabalharem pelo advento da República no Brasil. A peculiar localização da Vila de São Borja possibilitou que, ao longo dos anos, uma identidade cultural, política e social com as populações das zonas limítrofes, isto é, com as da Argentina do Uruguai, fosse se construindo. Como explica (2011, p. 14):

As pessoas envolvidas no manejo do campo (proprietários rurais e peões) acabaram desenvolvendo manifestações culturais que materializaram símbolos, como (na lida campesina, alimentação, vestimenta, música, artesanato, dança, linguajar, monumentos e instituições culturais, entre outras). Fatores esses que acabaram contribuindo na construção do processo social e econômico regional, representando uma autoafirmação socioeconômica da classe estancieira na região. Essa conjuntura deixa transparecer que o setor primário da economia acabou gerando uma relação de poder político-social-econômico dos grandes proprietários de terras para com o restante da população. Através do discurso musical, popular e público identifica uma atitude de pertença a identidade gaúcha por parte da população.

Ainda, como referem à autora, as “formas identitárias foram originadas por várias inter-relações culturais que acabaram gerando identidades cambiantes, nas quais foi marcada por um processo de criação de traços fixos e flutuantes, o que se deu por meio de “Identidades hibridas”, muitas visualizadas por símbolos materializado, já que o referido sobre fronteiras deve considerar também o contextos das similitudes, como havia com a população argentina de Santo Tomé.
Além de muitos hábitos e tradições comuns a essas populações, foi despertado na população são-borjense o ideário político republicano, que, igualmente, teve suas influências noutras partes da Província do Rio Grande do Sul. A Guerra do Paraguai, em princípio foi fator determinante para o alargamento dessa posição republicana, visto as dificuldades que a população teve de enfrentar naqueles anos, sem contar praticamente com nenhum apoio do governo imperial, tendo que oferecer resistência, muitas vezes heroica, aos inimigos da pátria brasileira. O que ocorreu em 10 de junho de 1865, a Resistência de São Borja na invasão paraguaia pelo Passo de São Borja, obrigando seus moradores abandonar a cidade e acabaram tendo a mesma saqueada completamente.
Já no dia 7 de abril de 1881, foi fundado o Clube Republicano do Passo, mais tarde incorporado pelo Clube Republicano de São Borja. Entre seus primeiros signatários encontravam-se as figuras de Apparício Mariense da Silva, Homero e Alvaro Batista e Francisco Miranda, consideradas de grande importância no decorrer dos acontecimentos políticos do estado do Rio Grande do Sul, após a proclamação da República.
Em São Borja, os adeptos do republicanismo, através da figura de Apparício Mariense da Silva, acompanhado por mais três Vereadores, demonstraram explicitamente o descontentamento existente conta a situação de crise que vigorava em todo o Império. Foram eles os protagonistas do lançamento da moção plebiscitária no plenário da Câmara de Vereadores, segundo a qual a nação brasileira deveria se posicionar a respeito da sucessão de D. Pedro II. Após dois meses e meio de acaloradas discussões a respeito da mesma, finalmente aprovaram-na em 13 de janeiro de 1888.
Como demonstração de sua formação político-social peculiar, a Vila de São Borja, no ano de 1884, declarou libertos os seus escravos, um mês antes que a capital da Província o fizesse (O’Donnell, 1987, p.33).
Com a proclamação da República, São Borja mais uma vez na fase de transição, agora adentrava na etapa política republicana do Brasil, mantendo-se como referência estratégica da fronteira meridional do país, mas já estruturada como cidade de população expressiva e detentora de equipamentos urbanos que a equivaliam a outras de seu porte.
             São Borja contou com participação efetiva na revolução federalista de 1893, quando era governador do Estado o Dr. Júlio Prates de Castilho; na chamada revolução de 1923, esta que colocou em confronto os federalistas comandados pelo dr. Joaquim Francisco de Assis Brasil e os partidários do dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, que se perpetuava no poder do Estado após haver sucedido a Júlio de Castilhos e nas Revoluções de 30 e 32, que tinha como seu comandante em chefe o Doutor Getúlio Dornelles Vargas, então Governador do Estado. A maioria dos jovens e homens válidos marchou com Getúlio, travando combate em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, chegando alguns ao Rio de Janeiro, onde num episódio que se tornou célebre, ataram seus cavalos no Obelisco, numa das praças mais central da Capital da República. Empossado o Doutor Getúlio na presidência provisória da Nação, a maioria dessa gente voltou a São Borja. Em 32, na Revolução Constitucionalista, São Borja organizou o 14º Corpo Auxiliar da Brigada Militar, sob o comando do Cel. Honorário Benjamim Dornelles Vargas (Beijo), levando em suas colunas, entre outros, o mais tarde célebre Ten. Gregório Fortunato. O “14” tomou parte ativa e até mesmo decisiva nos confrontos, especialmente, em São Paulo.
             São Borja destacou-se sempre nos episódios político-guerreiros de formação da nacionalidade. Dentre seus filhos mais eminentes é justo destacar-se: Apparício Mariense da Silva, Coronel da Guarda Nacional, jornalista e político de renome nacional, autor da célebre Moção Plebiscitária de 13 de janeiro de 1888; Doutor Getúlio Dornelles Vargas, político de fino trato e larga visão que galgou todas as posições da vida pública brasileira: Deputado Estadual, Deputado Federal, Ministro da Fazenda, Governador do estado do Rio Grande do Sul e, finalmente, Presidente da República. Derrubado em 1945, voltou à presidência em 1950, pelo voto popular, suicidando-se tragicamente em 24 de fevereiro de 1954 e, dos mais atuais, Dr. João Belchior Marques Goulart (Jango) – sucessor político do Presidente Vargas: Foi Deputado Estadual e Federal, Ministro do Trabalho, duas vezes vice- presidente da República e Presidente, quando foi deposto em 1964, pelo golpe militar. Faleceu no exílio a 6 de dezembro de 1976, em Missiones, na República Argentina, onde se dedicava a pecuária e a agricultura.
           São Borja destaca-se na arte musical a partir da fundação de “Os Angueras – Grupo Amador de Arte, pelos saudosos Apparício Silva Rillo e José Lewis Bicca entre outros, com o tema de Cantigas de Rio e Remo e o Missioneiro, somando-se aos Troncos Missioneiros, ou seja, Noel Guarany, Cenair Maica, Pedro Ortaça e Jayme Caetano Braun. Diz o Escritor Israel Lopes, em seu Livro Pedro Raymundo e o Canto Monarca, uma História da Música Regionalista, Nativista e Missioneira, p.179: - “Um defensor dessa integração cultural com os países do Cone Sul que se manifestou e fez um estudo esclarecedor sobre a Música Missioneira ou Ritmos de Fronteiras, foi o saudoso poeta e folclorista Apparício Silva Rillo que publicou “Fronteiras e Intercâmbio Cultural”, na Revista Nativismo, de dezembro de 1982”.
(*) Pesquisador Cultural.


Referências Bibliográficas:
         Flores, João Rodopho Amaral, A Vila de São Francisco de Borja das Missões 1834-1887.
         Lopes, Israel, Pedro Raymundo e o canto monarca: Uma história da música regionalista, nativista e missioneira. /Israel Lopes. – P. Alegre: Letra&Vida, 2013.
         MISSÕES EM MOSAICO: Da Interpretação à Prática, pág.103, 2011.

         Rillo, Apparício Silva, São Borja em Perguntas e Respostas – monografia histórica e de costumes – Coleção tricentenário – nº 2, 1982.

Passo de São Borja - De Gente, Rio e Embarcação

Passo de São Borja
(De Gente Rio e Embarcações)

Por Ramão Aguilar

Quando o Passo era criança,
Há mais de trezentos anos,
O barco dos Passeanos,
Era a canoa sem nó,
Feita dum tronco só,
A primitiva embarcação,
Do mesmo remo o timão,
E poitada só com cipó.

Era também usada,
A Jangada lá no Passo,
Várias toras entrelaçam,
Mais uma vela de pano.
Rio a fora ia jangada,
Com o sopro do vento,
E a correnteza da água,
A luz do firmamento,
Ia por Deus abençoada.

Tudo na vida evolui,
É regra não vai mudar,
Depois de a canoa reinar,
Veio o Caíque e a Chalana,
Feitos de tábuas planas,
Melhorou pra navegar
E também para pescar,
Na fronteira Castelhana.

Antes de a Balsa chegar,
Tinha Lancha a motor,
Nas mãos de bom condutor.
Levavam o pessoal por água,
Mais conforto que a Pirágua,
Até o Porto “Hormiguero”,
Onde gastava os “peçuelos”,
Sem precisar pedir nada.

Lanchas que iam pra “allá”,
Outras que vinham pra cá,
No Porto vão atraca,
Argentina ou brasileira,
No mastro as duas bandeiras,
E o povo carregado,
Vinham lá do outro lado,
Nesta vasa de fronteira.

Teve até Barco a Vapor,
De “Rio Grande” chamado,
Barco de médio calado,
Navegador imponente,
Com a caldeira bem quente,
Construído em boa forja,
De Uruguaiana a São Borja,
Trazia um mundão de gente.

Outra lembrança linda,
Não me foge da memória,
Pois pra mim uma vitória,
Guardar aquela emoção,
Que balança o coração,
De ver um barco passar,
Rio acima a navegar,
Parecendo quase fundeado,
Vinha o Barco carregado,
Subindo rio Uruguai.

Acabou o transporte embarcado,
Ficando somente na história,
Aqueles momentos de glória,
Da movimentação do Porto.
Hoje os tempos são outros,
Com a Ponte Internacional,
Ficou o turismo local,
No chamado Cais do Porto.





sexta-feira, 25 de julho de 2014

Romalino Rodrigues

Romalino Rodrigues
(O destino do ouro era outro)
Ramão Rodrigues Aguilar
                 
Romalino Rodrigues, homem de porte físico mediano, cabelos grisalhos e cumpridos, bigode e barba rala, bombacha erguida acima da cintura e um cinturão de couro com uma fivela de bronze redonda, cheia de buraco em volta, chapéu de feltro desabado, botas de canos curtos, vestuário surrado, carregava seus pertences em uma bolsa de pano de algodão, era uma estampa simples de pessoa do campo.
Criado em galpão de estância, no pampa do Rio Grande do Sul, também chamada de Região da Campanha, desde criança aprendeu a conviver com o rigor extremado do clima, no verão um calor que chega a marca de quarenta graus na sombra e no inverno com baixas temperaturas e formação de geadas.
Devotado às lides campeiras de criação de gado, sua única escola foi a da vida, ofício de peão de estância, tropeiro e capataz foi o seu trabalho e o que lhe deu o sustento para si e sua família, fiel ao seu patrão, trabalhou mais de quarenta anos vinculado apenas a um estancieiro de São Borja.
Lá pelos idos de 1983, eu passei alugar uma casa da Senhorita Adília Dornelles Motta, diga-se de passagem, nessa época ela já tinha mais de noventas anos de idade, era seu procurador o saudoso Doutor Pedro Mello, antes nós morávamos em apartamento, mas procuramos uma casa em função das crianças. Minha sogra, que já conhecia o seu Romalino e sabendo da nossa dificuldade, nós com duas crianças, uma dando os primeiro passos e a outra ainda de colo, trouxemos para morar conosco e ajudar a cuidar das crianças uma filha dele, a Rozelaine, sendo que a partir desta data, até quanto ele existiu, toda a vez que ele vinha para cidade, ele parava lá em casa.
Homem beirando os oitenta anos, de olhar complacente, não sorria, sempre sério, de pouca conversa se limitava em dar notícia do resto da família e falar do tempo, das chuvas ou da falta delas para as lavouras e a criação de gado, mas quando perguntado como era no passado a sua vida de peão e capataz de estância, ele falava, com orgulho, da confiança que o patrão depositava nele e a satisfação do dever cumprido, falava das lidas duras de campo, dos tempos que parava rodeio, das gineteadas, das tropeadas de gados de uma estância para outra e de lá para os frigoríficos, quando ainda não existiam os caminhões boiadeiros e a tropa era conduzida por terra. Muitas coisas aprendi com ele, um homem sábio.
Mas de todas as histórias que ouvi, entre elas destaco esta que poderia ter mudado sua vida, mas o destino do ouro era outro. Certa feita ele me contou dum ocorrido com ele que me deixou impressionado. Ele passava a cavalo próximo a uma sanga (riacho) e como o dia estava muito quente ele apeou e resolveu se refrescar um pouco na água. Enquanto se molhava viu que a água corrente ao passar por um objeto ficava crespa, chegando mais perto constatou que se tratava de uma peça de cerâmica, no formato de uma jarra, como se fosse um cântaro d’água.  Retirou aquela peça e com o auxilia da faca foi quando conseguiu destampá-la, derramou o conteúdo na grama e para sua surpresa viu reluzir os patacões de prata, onças e libras de ouro, colocou tudo de volta, tampou e seguiu com o achado em direção à sede da fazenda.
Na ida ia pensando o que fazer com aquele tesouro... Se contasse para a peonada certamente ia correr risco de vida e se levasse para o patrão ele iria ficar alegando que foi encontrado nas suas terras. Daí teve uma ideia de esconder o tesouro próximo ao galpão, onde ele podia cuidar e ter mais um tempo para pensar. Cavou com a faca em volta de uma macega (barba de bode), removendo a mesma acomodou ali seu tesouro e recolocou a macega no lugar.
De quando em vez, depois que a peonada se acomodava no galpão ele disfarçava e descia para o lado do lagoão onde tinha guardado a jarra com as moedas, com a finalidade de conferir se ela continuava lá. Numa dessas rondas sem perceber foi seguido por um peão, que desconfiou da sua atitude esperou ele retornar e se apossou do cabedal, anoiteceu e não amanheceu na estância e dele nunca mais se teve notícias, levando consigo o tesouro encontrado pelo seu Romalino Rodrigues, que poderia ter mudado sua vida, mas infelizmente tomou outro destino.