segunda-feira, 15 de maio de 2017

TAPERA ASSOMBRADA

Tapera Assombrada Num passado distante, em uma tapera de beira de estrada, passagem obrigatória dos tropeiros, que iam do extremo sul para feira em Sorocaba, interior paulista, com suas tropas de gados e Viageiros solitários, que iam e vinham de São Paulo, os chamados mascates, que trazia produtos para vender aos estancieiros e peões das fronteiras com o Uruguai e Argentina, alguns buscavam abrigo nesta tapera, onde acontecia o inusitado. Eles contavam que os desavisados que chegavam à dita Tapera para pousar, nunca conseguiram, pois há noite se ouvia gemidos, gritos de horror, depois aparecia, em forma de caveira humana, em pé, junto ao fogo de chão, onde os tropeiros envoltos estavam sentados e com um grito apavorante o esqueleto humano se esfacelava no chão. Nenhum deles resistia àquela figura sinistra e iam correndo embora, muitas vezes não dava tempo nem de pegar todos seus pertences. Apavorados de medo corriam para suas montarias e o que mais queriam era sair daquele lugar mal assombrado. Ficavam com os cabelos em pé e arrepiados, que nem ouriço. Depois do susto passado prometiam nunca mais voltar. Mas um dia resolveu aventurar-se um pelo duro da região fronteira com a Argentina, que atendia pelo apelido de Kiko e sonhava entrar para a vida de tropeiro. Kiko era um mestiço, resultado da cruza do branco com uma índia guarani, natural da cidade Uruguaia de Saltos, mas Radicada desde moça na cidade de Santo Tomé/ Argentina, trazida por um compatriota oriental de origem espanhola, chamado Desiderio. Kiko por ser filho natural, sua criação foi confiada pela sua mãe a este estancieiro. Além do Kiko ele adotou outros criados, depois de ter sido infeliz com seu primogênito, que por completa fatalidade veio cair num tacho muito grande, onde estava sendo derretidos sessenta quilos de toucinho de porco o que daria três latas de banha, sem contar com o torresmo. Desiderio desiludido com o trágico acontecimento, que comoveu toda a população da localidade de São Marcos, mais tarde, resolveu vender a estância e retornar para o Uruguai, quando seus criados já estavam adultos. Kiko por ser filho de criação foi criado no galpão, junto com os peões e demais adotados na Fazenda e todos subordinados as ordens do Capataz Cirilo, homem de confiança do Patrão, porém autoritário e injusto, especialmente com Kiko; ele estava moço e tinha muita facilidade de aprender tudo o que se relacionava com as atividades da estância. O Capataz passou a ver nele a possibilidade de perder seu emprego, dado sua competência para administrar no lugar dele resolveu desencadear uma perseguição implacável. Kiko por sua vez sabendo da confiança que seu pai depositava no capataz decidiu sofrer tudo calado passando pelas mais severas humilhações e injustiça ao ponto de abandonar a fazendo de seus pais de criação os quais tinha grande admiração, mas preferiu passar trabalho do que submeter-se as ordens do carrasco do capataz. Afamado na redondeza como um homem de grande coragem e habilidoso campeiro passou a tropear, profissão que sonhava um dia exercer. Em uma das suas viagens escolheu para passar a noite na dita tapera assombrada, pois não sabia do que vinha ocorrendo neste local, até porque estava iniciando no tropeirismo. Aqueles que ali queriam encontrar o descanso para prosseguir a viagem no próximo dia, não conseguiam enfrentar a assombração e saiam aterrorizados. Kiko chegou à tapera quando retornava da primeira tropeada e seus companheiros ficaram em Sorocaba para uma temporada de férias. O sol já ia desaparecendo no horizonte e o manto da noite começava a cobrir a abóboda celestial com o surgimento das primeiras estrelas no firmamento. Apeou da sua montaria, desencilhou e largou para pastar um pouco. Arrodeou a tapera, enquanto ainda dava para enxergar, juntou uma braçada de lenha seca e adentrou na casa indo de imediato fazer o fogo-de-chão, o local estava demarcado restava às cinzas e alguns tições apagados. Enquanto ajeitava as lenhas e o graveto procurou se familiarizar com o ambiente nada aconchegante. Logo que o fogo acendeu as labaredas clarearam todo o rancho e por um instante Kiko observava o interior daquela tapera um tanto macabra: ambiente pintado de picumã, paredes de rocha grés, piso de tijolo de cancha, cobertura de telha de canal, mostrava o sinal do tempo com a parte de madeira apodrecida e de móveis não tinha quase nada, alguns cepos que servia de banco, uma mesa velha, um catre no canto da peça e um quadro na parede com a imagem amarelada de um casal, talvez de seus antigos proprietários. O Kiko foi pegar água no poço encheu a “cambona” (chaleira), colocou no fogo e passou a cevar o mate. Espetou uma tira de charque e sentou para matear e jantar. As horas foram passando ele já pensava em dormir para continuar a viagem na madrugada do dia seguinte, quando surgiu em sua frente à maldita caveira para lhe fazer companhia. O Kiko que não era assustado deu uma olhada com o canto dos olhos, sem dar muita importância para a ameaça da caveira, que insistiu dizendo que ia cair. - Por mim que caia! Dizia o Kiko. E toda a vez que a caveira repetia que ia cair ele dizia: - por mim que caia! Na terceira vez ela se esfacelou em volta do fogo e o Kiko “nem bateu a passarinha”. A Caveira vendo que o índio não era assustado se reconstitui, agora envolto de uma luz colorida e começou novamente a falar. -Te felicito por ter passado por estas provas de coragem as quais nenhum, dos que te antecederam não conseguiram resistir. - Eis o teu prêmio: Ao sair pela porta, tua vida vai começar a mudar, conta trinta e três passos, em linha reta, vai encontrar um cupim de formiga, pode cavar em volta e com o auxilio de uma alavanca, que está no local, vire o cupim e logo abaixo encontrarás um grande tesouro, recolha e minha alma se libertará e vou ter o meu descanso. Dito isto a caveira desapareceu. Ainda meio descrente com tudo que viu, duvidando daquela aparição, mas foi tirar a limpo. Vamos que seja verdade pensou Kiko... Fez o que lhe tinha sido indicado. Usou a alavanca para remover o cupim e lá em baixo estava uma talha de barro, repleta de moedas e barras, todas de ouro, de cujo valor daria para comprar uma fazenda povoada de gado, o que sonhava um dia conseguir. Já vinha surgindo a barra do dia e os primeiros raios de sol coloriam as nuvens em tom de aquarela e o Kiko encilhou sua montaria e partiu levando o inestimável tesouro. Deixou no local a talha quebrada e vazia como prova de sua façanha e retornou para sua querência, com o pensamento fixo na mesma trilha que o levara até a tapera assombrada e a emoção de ver sua vida mudada para melhor, enquanto uma suave aragem lhe acariciava o rosto lhe dando as boas vindas. De volta à querência, abonado pela sorte soube que a fazenda a qual passou grande parte da sua vida estava à venda. Com o recurso do enterro deu para comprar e ainda sobrou dinheiro para reorganizar a granja dota-la com melhores equipamentos de produção; planteis de gado com raça mais apurada. Readmitiu os peões, inclusive o capataz, aquele que foi seu algoz.