terça-feira, 29 de julho de 2014

São Borja - Umas das mais Significativas Histórias da América Latina

São Borja – Uma das mais Significativas Histórias da América Latina
Ramão Aguilar (*)

São Borja, sob a invocação de São Francisco de Borja, foi fundada em 1682, segundo alguns historiadores, que apontam este ano como sendo o da fundação histórica, mas outros tem como ano de fundação o de 1687, quando foi oficialmente instalado, passando a ter livros próprios de assentamentos, o que antes eram feitos nos livros da redução de origem. Seu fundador o jesuíta Francisco Garcia de Prada, na 2ª fase reducional da Companhia de Jesus, à margem esquerda do Rio Uruguai, quase fronteira à Redução de Santo Tomé/RA. Constituiu-se no primeiro dos Sete Povos a ser organizado após a primeira fase das Missões Orientais, derrocada pela invasão dos bandeirantes, que as destruíram completamente.
Povoado por índios reduzidos, que migraram da Redução de Santo Tomé, num total de 1952 “almas”, sob a jurisdição social e religiosa dos jesuítas e tutela política da Espanha. Importante citar que também faziam parte desse espaço os índios não catequisados, pertencentes a outras etnias aborígenes, como por exemplo, charruas, guenoas e minuanos.
Estudos recentes dão conta de apresentar que o espaço de conversão não eliminou o processo de relação que sempre existiu entre os índios aldeados e os índios infiéis. Também é de conhecimento que alguns índios considerados infiéis, acabaram se estabelecendo nas reduções através de acordo entre os missionários e os caciques infiéis. Porém nada foi mais significativo para a permanência destes grupos infiéis na banda oriental do Rio Uruguai do que a necessidade de persistir a supremacia territorial e cultural diante de outros grupos indígenas. Esse caso foi lembrado pelo religioso Francisco Garcia, quando expos as desavenças que existiram entre os guenoas e os yarós – dois grupos indígenas que transitavam no espaço do pampa. (Missões em Mosaico: Da Interpretação à Prática, pág.103).
As demais Reduções, além da de São Francisco de Borja são: São Nicolau, fundada em 2 de fevereiro de 1687, reconstruída materialmente no mesmo local onde já existia antes, sob este mesmo nome, na primeira fase das Missões Orientais. Ainda em 1687, em data não precisada, São Luiz Gonzaga e, no mesmo ano, a de São Miguel Arcanjo, que foi a mais florescente dentre todas da segunda fase das Missões. Em 1690, São Lourenço Mártir, originada da Redução de Santa Maria Maior, sita a margem  direita do Rio Uruguai, onde integrava as antigas Reduções do Paraná. Em 1697, como desdobramento do Povo de São Miguel, foi fundada São João Batista, pelo Pe. Antônio Sepp. Finalmente, em 1706, Santo Ângelo Custódio, provindo, como a de São Luiz Gonzaga, da antiga redução de Conceição. Teve seu primeiro assento de batismo em 12 de agosto desse mesmo ano.
O declínio da Redução de São Francisco de Borja, bem como das demais Reduções ocorreu a contar da assinatura do Tratado Madrid, em 13 de janeiro de 1750, celebrada entre as cortes de Portugal e Espanha – onde esta cedia o Território das Missões, recebendo, em troca, a Colônia do Sacramento – hoje integrante da República Oriental do Uruguai.
Os padres da Redução de São Borja, como os das demais reduções, não conseguiram convencer os índios à obediência do Tratado. Com a volta aos antigos povos originaram-se os atritos que os conduziram à chamada “Guerra Guaranítica”, contra os interesses já coligados de Portugal e Espanha. Na chamada batalha de Caabaté, ou Caiboaté, de 7 a 10 de fevereiro de 1756, onde Espanha e Portugal, com suas forças coligadas, sustentaram o decisivo confronto com os índios sublevados. Neste combate foi dizimado o exército missioneiro, integrado por um em meio milhar de índios, numa verdadeira, sangrenta e inominável chacina. Em 17 de maio de 1756 Espanha e Portugal tomam e arrasam São Miguel e impõem a definitiva rendição dos Povos missioneiros.
A partir deste acontecimento a Região Missioneira passa a ser administrada por prepostos do Governo de Buenos Aires. Estes administradores, em São Borja e nos demais Povos, tratavam o índio como escravos, apossando-se dos bens materiais, que ainda restavam, não impunham métodos corretos de administração, ao ponto de um sem número de índios voltarem à sua vida primitiva.
São Borja passou ao domínio português no ano de 1801, através da conquista do Território das Missões por Borges do Canto, Gabriel de Almeida e Manoel dos Santos Pedroso. Estas histórias do que hoje é o município de São Borja, localizado no extremo oeste do estado do Rio Grande do Sul, com a sua trajetória desde a origem reducional do século XVII, passando pelo Império Brasileiro e vivendo a República até nossos dias.
Em 04 de abril de 1834 era juramentado na Câmara Municipal de Rio Pardo e logo eleito vereador da Câmara de São Borja, o seu primeiro presidente, João José da Fontoura Palmeiro. Sendo que a Vila foi instalada em termo Municipal em 21 de maio deste mesmo ano.
Em 08 de maio de 1816, havia sido elevada à categoria de Freguesia pelas autoridades eclesiásticas, havendo passado em 03 de dezembro de 1819, à cabeça de Comarca Eclesiástica. Por Lei Provincial nº 26 de 22 de outubro de 1846 era elevada à condição de Paróquia, sob invocação – agora oficial – de São Francisco de Borja, ele que foi chamado Francisco de Borja Y Aragón, foi membro importante da nobreza espanhola, filho do 3º Duque de Gandia e de D. Joana de Aragón, nasceu na região da Catalunha, em 28 de outubro de 1510, da qual chegou a ser Vice-rei, ainda jovem ingressou na Companhia de Jesus, chegando ao posto de 3º Geral da Ordem. Canonizado em 29 de junho de 1670.
A Lei nº 185, de 22 de outubro de 1850, criava em São Borja sua primeira Comarca. Finalmente, em 21 de dezembro de 1887, era elevado à condição de cidade – título honorário concedido pelo Império – através da Lei nº 1614 do Governo Provincial.
Após o plebiscito emancipacionista, pela Lei Estadual nº 5059, de 12 de outubro de 1965, era desmembrada uma parcela considerável da área geográfica de São Borja, formando-se no Município de Santo Antônio das Missões, com sede na então Vila 13 de Janeiro. Ainda no processo emancipatória mais uma parcela da área pertencente a São Borja foi desmembrada pela emancipação do distrito de Itacurubi em 1988, ano da criação do Município de Itacurubi e por último foi à vez do antigo Distrito de Garruchos a ter sua emancipação, atual Município de mesmo nome, emancipado em 20 de março de 1992.
“Neste contexto de fronteiras internacionais a comunidade de São Borja, na atualidade, é referida pelos brasileiros como “Terra de Presidentes” e pelos seus munícipes, como “Terra de Valor”. Estas são as lembranças na memória coletiva, entre os muitos flashes sobre a história brasileira, porque são dois são-borjenses ilustres, ou seja, os Ex-Presidentes da República, Getúlio Dornelles Vargas e João Belchior Marques Goulart, os quais tiveram papéis marcantes na história do país no século XX. Por outro lado, especialmente na comunidade gaúcha, e de modo especial na região das antigas Missões Jesuíticas da América do Sul, São Borja é distinguida como um dos Sete Povos espanhóis do século XVII. Distinção esta que avança pelos séculos XVIII e XIX, trazendo uma marca indelével nesta significação histórica. Assim, decorrido quase quatro séculos, mantém-se como um marco do povoamento brasileiro perene no coração do Pampa da América do Sul. Por isso é uma terra de tantos valores simbólicos e prova viva de um passado de múltiplos acontecimentos”.
 “Isso confere a São Borja a condição quase única naquilo que muito se enfatiza na atualidade, ou seja, empiricamente na academia ou através dos juízos de valores expressos pelo povo sul-rio-grandense sobre a verdadeira origem e evolução do “gaúcho” latino-americano, porque seus povoamentos reuniram essas diferentes etnias e o convívio entre elas “geraram”, muito provavelmente, particularidades da cultura do homem rural do Rio Grande do Sul. O dito “amor pela terra” tem suas várias razões e motivações porque essa parte do território da América do Sul foi intensamente disputada ao longo de três séculos e coube aos brasileiros sulinos, entre eles os são-borjenses, assegurar essa posse ao Brasil. Essa situação gerou profunda identidade entre homem, terra e espírito de nacionalidade, com traços diversos nas zonas das paisagens naturais do Pampa. Por isso, não há “estranhamento” sobre a visão de orgulho, intrepidez e destemor em relação às tradições ligadas à terra por parte dos “gaúchos” nascido no Rio Grande do Sul, em que pese o domínio das propriedades ter sido privilégio de poucos”.
São Borja sofreu invasões estrangeiras sendo que foram três as principais. A primeira comandada por Andrésito Artigas, filho adotivo do caudilho Gen. José de Artigas. De origem índia, chamado Andrés Guacurari, nasceu Andrésito em São Borja. Invadiu as Missões pelo Passo de Itaqui, primeiros dias de setembro de 1816, deu cerco a São Borja, à frente de 2 mil homens, entre castelhanos e índios. Cortou os meios de abastecimento de São Borja, que tinha como comandante de suas forças o Cel. Chagas Santos, que lhe resistiu bravamente. O cerco alongou-se por duas semanas, com vários encontros sangrentos nesse período. Veio a socorro de São Borja o Cel. José de Abreu, Andrésito, entre duas frentes, foi batido completamente. Desbaratadas suas forças, cruzou de volta o Rio Uruguai.
A segunda invasão foi levada a termo sob a inspiração do caudilho e brigadeiro Frutuoso Rivera, que invadira tempos antes o território rio-grandense. Uma coluna importante, comandada por Barnabé Rivera marcha contra São Borja, então sede do comando geral das Missões, dando-lhe cerco nos últimos dias de abril de 1828. Nesta ocasião promoveu um saque na região das missões, inclusive São Borja, levando nada menos que uma incrível tropa de vinte mil vacuns, além de um botim de guerra de incalculável valor, carregado em 60 carretas puxadas por boi.
A terceira invasão foi efetivada pelas forças paraguaias no dia 10 de junho de 1865 – tempos após a declaração de guerra ao Brasil em 1864 e invasão do território do Mato Grosso pelo exército de Solano Lopes, ditador do Paraguai. Atravessando o território argentino pela Província de Corrientes – onde instalou seu centro de operações sob o comando do General Robles-Cruz Estigarribia, para invadir o Rio Grande do Sul e a Banda Orienta (Uruguai). Foi escolhido o Passo de São Borja para penetração em nosso território, o que aconteceu data anteriormente citada.
São Borja na transição para a República participou dos acontecimentos que precipitaram a decadência e a queda do Império. Na área missioneira, as dificuldades de desenvolvimentos persistiram durante todo o século XIX. Pela própria estagnação da Vila em termos econômicos, somada a falta de plena autonomia administradas ativa e ao desleixo das administrações da Província, muitas das suas lideranças políticas acabaram apostando nas mudanças políticas que acreditavam serem as necessárias aos seus interesses sócio-políticos e econômicos. Daí muitas delas trabalharem pelo advento da República no Brasil. A peculiar localização da Vila de São Borja possibilitou que, ao longo dos anos, uma identidade cultural, política e social com as populações das zonas limítrofes, isto é, com as da Argentina do Uruguai, fosse se construindo. Como explica (2011, p. 14):

As pessoas envolvidas no manejo do campo (proprietários rurais e peões) acabaram desenvolvendo manifestações culturais que materializaram símbolos, como (na lida campesina, alimentação, vestimenta, música, artesanato, dança, linguajar, monumentos e instituições culturais, entre outras). Fatores esses que acabaram contribuindo na construção do processo social e econômico regional, representando uma autoafirmação socioeconômica da classe estancieira na região. Essa conjuntura deixa transparecer que o setor primário da economia acabou gerando uma relação de poder político-social-econômico dos grandes proprietários de terras para com o restante da população. Através do discurso musical, popular e público identifica uma atitude de pertença a identidade gaúcha por parte da população.

Ainda, como referem à autora, as “formas identitárias foram originadas por várias inter-relações culturais que acabaram gerando identidades cambiantes, nas quais foi marcada por um processo de criação de traços fixos e flutuantes, o que se deu por meio de “Identidades hibridas”, muitas visualizadas por símbolos materializado, já que o referido sobre fronteiras deve considerar também o contextos das similitudes, como havia com a população argentina de Santo Tomé.
Além de muitos hábitos e tradições comuns a essas populações, foi despertado na população são-borjense o ideário político republicano, que, igualmente, teve suas influências noutras partes da Província do Rio Grande do Sul. A Guerra do Paraguai, em princípio foi fator determinante para o alargamento dessa posição republicana, visto as dificuldades que a população teve de enfrentar naqueles anos, sem contar praticamente com nenhum apoio do governo imperial, tendo que oferecer resistência, muitas vezes heroica, aos inimigos da pátria brasileira. O que ocorreu em 10 de junho de 1865, a Resistência de São Borja na invasão paraguaia pelo Passo de São Borja, obrigando seus moradores abandonar a cidade e acabaram tendo a mesma saqueada completamente.
Já no dia 7 de abril de 1881, foi fundado o Clube Republicano do Passo, mais tarde incorporado pelo Clube Republicano de São Borja. Entre seus primeiros signatários encontravam-se as figuras de Apparício Mariense da Silva, Homero e Alvaro Batista e Francisco Miranda, consideradas de grande importância no decorrer dos acontecimentos políticos do estado do Rio Grande do Sul, após a proclamação da República.
Em São Borja, os adeptos do republicanismo, através da figura de Apparício Mariense da Silva, acompanhado por mais três Vereadores, demonstraram explicitamente o descontentamento existente conta a situação de crise que vigorava em todo o Império. Foram eles os protagonistas do lançamento da moção plebiscitária no plenário da Câmara de Vereadores, segundo a qual a nação brasileira deveria se posicionar a respeito da sucessão de D. Pedro II. Após dois meses e meio de acaloradas discussões a respeito da mesma, finalmente aprovaram-na em 13 de janeiro de 1888.
Como demonstração de sua formação político-social peculiar, a Vila de São Borja, no ano de 1884, declarou libertos os seus escravos, um mês antes que a capital da Província o fizesse (O’Donnell, 1987, p.33).
Com a proclamação da República, São Borja mais uma vez na fase de transição, agora adentrava na etapa política republicana do Brasil, mantendo-se como referência estratégica da fronteira meridional do país, mas já estruturada como cidade de população expressiva e detentora de equipamentos urbanos que a equivaliam a outras de seu porte.
             São Borja contou com participação efetiva na revolução federalista de 1893, quando era governador do Estado o Dr. Júlio Prates de Castilho; na chamada revolução de 1923, esta que colocou em confronto os federalistas comandados pelo dr. Joaquim Francisco de Assis Brasil e os partidários do dr. Antônio Augusto Borges de Medeiros, que se perpetuava no poder do Estado após haver sucedido a Júlio de Castilhos e nas Revoluções de 30 e 32, que tinha como seu comandante em chefe o Doutor Getúlio Dornelles Vargas, então Governador do Estado. A maioria dos jovens e homens válidos marchou com Getúlio, travando combate em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, chegando alguns ao Rio de Janeiro, onde num episódio que se tornou célebre, ataram seus cavalos no Obelisco, numa das praças mais central da Capital da República. Empossado o Doutor Getúlio na presidência provisória da Nação, a maioria dessa gente voltou a São Borja. Em 32, na Revolução Constitucionalista, São Borja organizou o 14º Corpo Auxiliar da Brigada Militar, sob o comando do Cel. Honorário Benjamim Dornelles Vargas (Beijo), levando em suas colunas, entre outros, o mais tarde célebre Ten. Gregório Fortunato. O “14” tomou parte ativa e até mesmo decisiva nos confrontos, especialmente, em São Paulo.
             São Borja destacou-se sempre nos episódios político-guerreiros de formação da nacionalidade. Dentre seus filhos mais eminentes é justo destacar-se: Apparício Mariense da Silva, Coronel da Guarda Nacional, jornalista e político de renome nacional, autor da célebre Moção Plebiscitária de 13 de janeiro de 1888; Doutor Getúlio Dornelles Vargas, político de fino trato e larga visão que galgou todas as posições da vida pública brasileira: Deputado Estadual, Deputado Federal, Ministro da Fazenda, Governador do estado do Rio Grande do Sul e, finalmente, Presidente da República. Derrubado em 1945, voltou à presidência em 1950, pelo voto popular, suicidando-se tragicamente em 24 de fevereiro de 1954 e, dos mais atuais, Dr. João Belchior Marques Goulart (Jango) – sucessor político do Presidente Vargas: Foi Deputado Estadual e Federal, Ministro do Trabalho, duas vezes vice- presidente da República e Presidente, quando foi deposto em 1964, pelo golpe militar. Faleceu no exílio a 6 de dezembro de 1976, em Missiones, na República Argentina, onde se dedicava a pecuária e a agricultura.
           São Borja destaca-se na arte musical a partir da fundação de “Os Angueras – Grupo Amador de Arte, pelos saudosos Apparício Silva Rillo e José Lewis Bicca entre outros, com o tema de Cantigas de Rio e Remo e o Missioneiro, somando-se aos Troncos Missioneiros, ou seja, Noel Guarany, Cenair Maica, Pedro Ortaça e Jayme Caetano Braun. Diz o Escritor Israel Lopes, em seu Livro Pedro Raymundo e o Canto Monarca, uma História da Música Regionalista, Nativista e Missioneira, p.179: - “Um defensor dessa integração cultural com os países do Cone Sul que se manifestou e fez um estudo esclarecedor sobre a Música Missioneira ou Ritmos de Fronteiras, foi o saudoso poeta e folclorista Apparício Silva Rillo que publicou “Fronteiras e Intercâmbio Cultural”, na Revista Nativismo, de dezembro de 1982”.
(*) Pesquisador Cultural.


Referências Bibliográficas:
         Flores, João Rodopho Amaral, A Vila de São Francisco de Borja das Missões 1834-1887.
         Lopes, Israel, Pedro Raymundo e o canto monarca: Uma história da música regionalista, nativista e missioneira. /Israel Lopes. – P. Alegre: Letra&Vida, 2013.
         MISSÕES EM MOSAICO: Da Interpretação à Prática, pág.103, 2011.

         Rillo, Apparício Silva, São Borja em Perguntas e Respostas – monografia histórica e de costumes – Coleção tricentenário – nº 2, 1982.

Passo de São Borja - De Gente, Rio e Embarcação

Passo de São Borja
(De Gente Rio e Embarcações)

Por Ramão Aguilar

Quando o Passo era criança,
Há mais de trezentos anos,
O barco dos Passeanos,
Era a canoa sem nó,
Feita dum tronco só,
A primitiva embarcação,
Do mesmo remo o timão,
E poitada só com cipó.

Era também usada,
A Jangada lá no Passo,
Várias toras entrelaçam,
Mais uma vela de pano.
Rio a fora ia jangada,
Com o sopro do vento,
E a correnteza da água,
A luz do firmamento,
Ia por Deus abençoada.

Tudo na vida evolui,
É regra não vai mudar,
Depois de a canoa reinar,
Veio o Caíque e a Chalana,
Feitos de tábuas planas,
Melhorou pra navegar
E também para pescar,
Na fronteira Castelhana.

Antes de a Balsa chegar,
Tinha Lancha a motor,
Nas mãos de bom condutor.
Levavam o pessoal por água,
Mais conforto que a Pirágua,
Até o Porto “Hormiguero”,
Onde gastava os “peçuelos”,
Sem precisar pedir nada.

Lanchas que iam pra “allá”,
Outras que vinham pra cá,
No Porto vão atraca,
Argentina ou brasileira,
No mastro as duas bandeiras,
E o povo carregado,
Vinham lá do outro lado,
Nesta vasa de fronteira.

Teve até Barco a Vapor,
De “Rio Grande” chamado,
Barco de médio calado,
Navegador imponente,
Com a caldeira bem quente,
Construído em boa forja,
De Uruguaiana a São Borja,
Trazia um mundão de gente.

Outra lembrança linda,
Não me foge da memória,
Pois pra mim uma vitória,
Guardar aquela emoção,
Que balança o coração,
De ver um barco passar,
Rio acima a navegar,
Parecendo quase fundeado,
Vinha o Barco carregado,
Subindo rio Uruguai.

Acabou o transporte embarcado,
Ficando somente na história,
Aqueles momentos de glória,
Da movimentação do Porto.
Hoje os tempos são outros,
Com a Ponte Internacional,
Ficou o turismo local,
No chamado Cais do Porto.





sexta-feira, 25 de julho de 2014

Romalino Rodrigues

Romalino Rodrigues
(O destino do ouro era outro)
Ramão Rodrigues Aguilar
                 
Romalino Rodrigues, homem de porte físico mediano, cabelos grisalhos e cumpridos, bigode e barba rala, bombacha erguida acima da cintura e um cinturão de couro com uma fivela de bronze redonda, cheia de buraco em volta, chapéu de feltro desabado, botas de canos curtos, vestuário surrado, carregava seus pertences em uma bolsa de pano de algodão, era uma estampa simples de pessoa do campo.
Criado em galpão de estância, no pampa do Rio Grande do Sul, também chamada de Região da Campanha, desde criança aprendeu a conviver com o rigor extremado do clima, no verão um calor que chega a marca de quarenta graus na sombra e no inverno com baixas temperaturas e formação de geadas.
Devotado às lides campeiras de criação de gado, sua única escola foi a da vida, ofício de peão de estância, tropeiro e capataz foi o seu trabalho e o que lhe deu o sustento para si e sua família, fiel ao seu patrão, trabalhou mais de quarenta anos vinculado apenas a um estancieiro de São Borja.
Lá pelos idos de 1983, eu passei alugar uma casa da Senhorita Adília Dornelles Motta, diga-se de passagem, nessa época ela já tinha mais de noventas anos de idade, era seu procurador o saudoso Doutor Pedro Mello, antes nós morávamos em apartamento, mas procuramos uma casa em função das crianças. Minha sogra, que já conhecia o seu Romalino e sabendo da nossa dificuldade, nós com duas crianças, uma dando os primeiro passos e a outra ainda de colo, trouxemos para morar conosco e ajudar a cuidar das crianças uma filha dele, a Rozelaine, sendo que a partir desta data, até quanto ele existiu, toda a vez que ele vinha para cidade, ele parava lá em casa.
Homem beirando os oitenta anos, de olhar complacente, não sorria, sempre sério, de pouca conversa se limitava em dar notícia do resto da família e falar do tempo, das chuvas ou da falta delas para as lavouras e a criação de gado, mas quando perguntado como era no passado a sua vida de peão e capataz de estância, ele falava, com orgulho, da confiança que o patrão depositava nele e a satisfação do dever cumprido, falava das lidas duras de campo, dos tempos que parava rodeio, das gineteadas, das tropeadas de gados de uma estância para outra e de lá para os frigoríficos, quando ainda não existiam os caminhões boiadeiros e a tropa era conduzida por terra. Muitas coisas aprendi com ele, um homem sábio.
Mas de todas as histórias que ouvi, entre elas destaco esta que poderia ter mudado sua vida, mas o destino do ouro era outro. Certa feita ele me contou dum ocorrido com ele que me deixou impressionado. Ele passava a cavalo próximo a uma sanga (riacho) e como o dia estava muito quente ele apeou e resolveu se refrescar um pouco na água. Enquanto se molhava viu que a água corrente ao passar por um objeto ficava crespa, chegando mais perto constatou que se tratava de uma peça de cerâmica, no formato de uma jarra, como se fosse um cântaro d’água.  Retirou aquela peça e com o auxilia da faca foi quando conseguiu destampá-la, derramou o conteúdo na grama e para sua surpresa viu reluzir os patacões de prata, onças e libras de ouro, colocou tudo de volta, tampou e seguiu com o achado em direção à sede da fazenda.
Na ida ia pensando o que fazer com aquele tesouro... Se contasse para a peonada certamente ia correr risco de vida e se levasse para o patrão ele iria ficar alegando que foi encontrado nas suas terras. Daí teve uma ideia de esconder o tesouro próximo ao galpão, onde ele podia cuidar e ter mais um tempo para pensar. Cavou com a faca em volta de uma macega (barba de bode), removendo a mesma acomodou ali seu tesouro e recolocou a macega no lugar.
De quando em vez, depois que a peonada se acomodava no galpão ele disfarçava e descia para o lado do lagoão onde tinha guardado a jarra com as moedas, com a finalidade de conferir se ela continuava lá. Numa dessas rondas sem perceber foi seguido por um peão, que desconfiou da sua atitude esperou ele retornar e se apossou do cabedal, anoiteceu e não amanheceu na estância e dele nunca mais se teve notícias, levando consigo o tesouro encontrado pelo seu Romalino Rodrigues, que poderia ter mudado sua vida, mas infelizmente tomou outro destino.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Hipólito Rodrigues

HIPÓLITO RODRIGUES
Cativo por Opção

Ramão Rodrigues Aguilar (*)

Hipólito Rodrigues, nativo do interior de São Borja, da localidade de São Marcos, seus aspectos físico identificava sua origem aborígene. Iniciou ganhando a vida, ainda jovem, como remador e “lanchero”, habilidade que aprendeu com seu pai Martins, proprietário da Lancha, que fazia a travessia de passageiros para o porto Argentino, enfrente e descia ou subia o Rio Uruguai, transportando passageiros ou mercadorias, a partir da longínqua década de 30, do século passado.
Hipólito, também, foi balseiro, naqueles tempos se aprendia fazer de tudo um pouco, lenhar, carnear, charquear, tratar da criação, lavrar a terra, plantar, pescar nem se fala, e, quem sabia conduzir uma embarcação aprendia com mais facilidade trabalhar de balseiro, pois na sua época desciam muitas balsas de madeira pelo Rio Uruguai, tanto em toras como já beneficiadas em pranchões. Era um trabalho temporário, somente em épocas de cheias que desciam as Balsas. “ôba! vem à enchente/Uruguai transformou/vai dar serviço pra gente”, como diz na composição musical “Balseiro do Rio Uruguai” de Barbosa Lessa.
Por um bom tempo, enquanto durou a permanência do Seu Geraldo em São Marcos, Hipólito, como remador, tinha uma tarefa diária, de pela manhã, varar o rio e do lado Argentino buscar o pão quentinho, d’água ou a “calleta” para o Seu Geraldo tomar café, Geraldo era Guarda Aduaneiro em São Marcos, onde se originou a relação de amizade com o Hipólito, a partir da década de 20 e perdurou pela vida inteira e quando Seu Geraldo deixou o Porto de São Marco e vem para cidade ele veio junto e agregou-se de braço direito dele. 
Meu pai filho de criação de um fazendeiro da localidade de São Marcos de origem Uruguaia, este que trouxe a minha avó paterna da cidade de Saltos/Uruguai para Santo Tomé/RA, e, com a ida do seu Geraldo para aquele Passo, foi quando o pai conheceu e casou-se com minha mãe Setembrina, filha de Geraldo e Madalena Fernandes Rodrigues. Meu pai, depois de ter vivido e aprendido toda a lida da estância, também, foi remador no Porto de São Marcos sempre recordava das proezas do Hipólito.
Seu Geraldo já estava morando na Granja São Vicente, quando o Hipólito passou a trabalhar com seu filho João Pedro, a partir do final década de 50, nas lavouras de trigo, ele era o cozinheiro da granja, (cozinhava muito bem). Gostava de uma “birita”, não dispensava seu rádio de pilha, seu pertence mais valioso era seu cavalo encilhado e vivia rodeado de cachorros.
Certa feita a passeio, quando guri, na granja onde o Hipólito trabalhava, ele me esperou com uma taxada de “cueca virada”, frita na banha, coberta de açúcar. Comi tanto que me deu um ameaço de congestão. Nesta época não tinha geladeira nas granjas, o Hipólito acondicionava os fervidos (carne com osso) em latas de vinte litros, mergulhados na banha, de lá saia para panela, para temperar o feijão, fazer um ensopado de mandioca ou uma fritada para comer com arroz branco e quibebe...
A única ligação familiar foi esta, que ele escolheu para ser sua perene referência, elo de união de uma corrente de alma com a família Rodrigues.  Ele se considerava e era considerado da família.  Hipólito fez do ideário de sua vida sua dedicação exclusiva a família do Seu Geraldo, serviçal, cativo por opção, nunca conseguiu romper seus grilhões afetivos que o mantinha ligado à família Rodrigues, nem quando alçava voo e abria as asas ao mundo, logo retornava a família que escolheu para fazer parte, nem que fosse para relatar suas aventuras e desventuras, ocorridas durante sua ausência.
Em função do cargo que seu Geraldo exercia o Hipólito tinha seu transito livre, quando navegava pelo Rio afora, atracava sua embarcação em qualquer lugar, desta fronteira amiga, tanto deste lado como do outro, era seu comarcado, seu mundo, seu rio, sua liberdade... Com braços fortes na contração dos músculos, os remos impulsionavam a embarcação, Rio acima ou Rio abaixo, ouvindo o murmúrio das águas. Quando em terra firme escolhia a casa que desejava ficar da família Rodrigues, era sempre bem recebido, chegava e saia quando queria, mas não gostava de aquentar banco.
Já homem feito enamorou-se da Senhorita Iolanda, filha do “Tio Calandro”, cidadão são-borjense muito estimado, casaram-se perante as leis dos homens e de Deus, tiveram um filho e depois tudo acabou. O Hipólito voltou àquela vida que levara antes do casamento, talvez na busca de um passado distante, que havia perdido nos remansos do seu Rio e nas Ruas da velha São Borja, porém, agora, com maior intensidade.
Nesta altura a bebida tinha lhe ocupado todo o espaço, restava apenas o instinto de andar, andar... Perambulando pelas ruas sem saber para onde iria, sem resolver o que fazer com a sua solidão e sofrimento tornou-se um andarilho. E o tempo foi passando... Dias, meses, anos se passaram e o Hipólito envelheceu nesse sofrimento, sua vida havia chegado ao nível da loucura. Não tinha mais seu cavalo encilhado, sua chalana, apenas suas pernas que o conduziam a esmo.
 Muitas vezes recolhido pela Brigada Militar, retornava as ruas da cidade, até que certa noite, uma dessas de inverno rigoroso, geada grande, na busca de um refúgio se recolheu num rancho abandonado, acendeu um fogo de chão para se aquecer, sem se alimentar era movido apenas pelo álcool, adormeceu debilitado. Enquanto dormia o rancho que o abrigava incendiou e sua vida partiu entre as chamas, pobre criatura pura de coração, que nunca fez mal a ninguém.
Como diz numa passagem Bíblica: “És pó em pó te tornarás”. O Hipólito sendo pó, como todo o mortal, em cinza se tornou. O fogo purificou sua alma errante e ela passou habitar entre os barqueiros, “chalaneros” e pescadores do Rio Uruguai para protegê-los de todos os perigos.      

(*) Pesquisador Cultural.

Inverno de 2010.

A Expansão da Música Regional Gaúcha

A Expansão da Música Regional Gaúcha
Por Israel Lopes e Ramão Aguilar

                                  Ao estimado Patrão Cláudio Caetano Vieira, do CTG “Tropilha Crioula”, os demais membros da patronagem aqui presentes, Departamento Prendas e Peões, Invernadas de Danças.
                                                                      
                                  Senhoras e Senhores:

                                  Sempre que somos chamados para falar de nossas raízes culturais, e, nesta oportunidade abordando nossa identidade gaúcha, no que se refere a sua Música Regional, nosso cancioneiro é um motivo de grande estímulo para seguirmos na busca constante de nossos valores de raízes para trazê-lo ao presente e projetá-lo as gerações vindouras.
                                  Esse apego a terra, nosso atavismo, a busca constante das nossas raízes é um apanágio de todos nós. E, quando passamos a descobrir essa cultura deixada pelos nossos antepassados fizemos um processo de reconstrução e nos sentimos no compromisso de recuperá-la, fazendo com que ela continue no seu processo evolutivo sem perder a sua essência, daí a importância da pesquisa e do conhecimento.
                                  Antes do Rádio existia a “casa a Eléctrica”, na capital de todos os gaúcos, Porto Alegre, de 1913 a 1919, segundo Hardy Vedana e Paixão Cortez. Os ritmos eram variados, sendo as mais gravadas, Valsas, Polcas, Mazurca e Chote, mas também gravaram Rancheiras, Marchas, Havaneira e tangos. Rodadas na era do Gramofone. A canção “Boi Barroso” recolhida do folclore gaúcho, foi gravada pelo gaiteiro Moisés Mandadori, em 1914. O dono da Casa A Eléctrica”, se chamava Savério Leoneti, emigrante italiano. Os temas gravados pela Casa A Eléctra, eram bem variados, alguns falavam no Rio Grande do Sul, outros na cultura Caipira de São Paulo e, também, sobre temas urbanos, gravados em 78 Rotações.
                                  A Música Regional do Rio Grande do Sul, na era do Radio, teve seu início na Rádio Gaúcha de Porto Alegre, com a programação de Piraja Weyer, em 1936; Pedro Raymundo, em 1939 e Lauro Rodrigues, em 1940. Nesses programas eles procuravam apresentar os ritmos regionais, como o Chote, Rancheira, Toadas, Valsas e Polca principalmente, e nas letras eles procuravam relatar os usos e costumes gaúchos. Pedro Raymundo e seu conjunto “Quarteto dos Tauras” e, também, a “Dupla Campeira” (Osvaldinho e Zé Bernardes). Estes, na época, eram os principais artistas que interpretavam o Cancioneiro Gaúcho. Pedro Raymundo tocava a Gaita de Botão e a gaita Cromática, enquanto que Osvaldinho tocava a gaita Pianada.
                                  O cantor Pedro Raymundo, em 1943, foi para o Rio de Janeiro, quando em setembro gravou o Chote “Adeus Mariana”, que foi a primeira música gauchesca de sucesso nacional, segundo Paixão Cortez e Barbosa Lessa, no livro Danças e Andanças da Tradição Gaúcha.
                                  Em 1948, com a fundação do primeiro GTG do Rio Grande do Sul, o 35 - CTG, na Capital, Paixão Cortez e Barbosa Lessa iniciaram um trabalho exaustivo de recuperação das danças primitivas, que remontam desde o início da colonização do Rio Grande do Sul, que se encontravam quase perdidas no tempo, com exceção de “Prenda Minha”, que havia sido gravada, em 1945 por Pedro Raymundo.  Paixão e Lessa recolheram danças como: Balaio, Tatu, Maçanico, Boi Barroso, Chote Carreirinha e tantas outras que trouxeram para ser dançadas na Sede do 35 CTG.
                                  Paixão Cortez e Barbosa Lessa, também, passaram  apresentar programas gaúchos na Rádio Farroupilha de  Porto Alegre, sendo que o Barbosa Lessa apresentava o programa “Querência”, em 1950 e o Paixão Cortez, apresentava o programa “Festa no Galpão”, em 1953, nesse programa se apresentava o principal era o “Conjunto Vocal Farroupilha”. Concomitantemente o poeta Lauro Rodrigues apresentava o programa “Campereadas” na mesma emissora.
                                  Em 1955, Paixão Cortez e Darcy Fagundes criou o “Grande Rodeio Coringa”, na Rádio Farroupilha. Em 1957, Paixão Cortez saio da Rádio Farroupilha e foi para a Gaúcha, no seu lugar ficou Dimas Costas, mas este, também, logo passou para a Rádio Gaúcha e, junto com o Paixão Cortez criaram o programa “Festança na Querência”. Darcy Fagundes com a saída do Dimas, ele convidou o Luiz Menezes e apresentaram o  programa “Rodeio Curinga” até a década de setenta.
                                  Com a proliferação dos CTGs em todos os recantos do Rio Grande do Sul, também foram criados programas gaúchos apresentados pelas Entidades tradicionalistas. Somados a esses programas das Rádios Gaúchas e Farroupilha e tantas outras que foram surgindo, também na capital houve um grande incentivo aos artistas, que interpretavam a música Regional Gaúcha. Surgiram os Irmãos Bertussi, em 1955. Outros artistas importantes da época foram “Os Gaudérios”, “Os Minuanos”, “Trio Charrua”, “Os Carreteiros” e tantos outros foram surgindo.
                                  Artistas individuais como o Teixeirinha, Gildo de Freitas, Ademar Silva e outros. Duplas, como a “Dupla Mirim” e outra igualmente importante “Norinho e Edires Nunes”.
                                  Na década de sessenta surgiu em São Borja, “O Angueras – Grupo Amador de Arte Nativa”, com o tema de “Rio e Remo”, nesta época, também, surgiram na Região Missioneira Noel Guarany, Cenair Maicá, Jayme Caetano Brau e Pedro Ortaça, que produziram músicas com o tema ligado a Região Missioneira – guaranítica.
                                  Com a criação da Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, em 1971, foi o marco da proliferação de festivais nativistas, e com eles o surgimento de um grande manancial de músicos, letristas, interpretes, finalmente consolidando a nossa Música Regional Gaúcha, além dos artistas participantes dos festivais, se destacaram, levando nossa cultura musical para além das fronteiras do Estado. Convém destacar, também, o surgimento de exímios jovem instrumentistas que passaram a integrar conjunto para fandango e apresentação de espetáculos.
                                  Hoje um dos ritmos mais tocado é a Vaneira, ritmo que começou a ser executado por Reduzino Malaquias, Tio Bilia Missioneiro, Dedé Cunha, entre outros.
                                  Com essa expansão e Consolidação da nossa Música Regional Gaúcha, tem sido o “sinuelo” para manter nossa Identidade Gaúcha. Somos respeitados em todo o território nacional por ter uma cultura própria e acima de tudo o culto  desses valores da Terra.
                                  Embora o surgimento de outros meios de comunicação de massa, como por exemplo, a televisão e a Internet, o Rádio continua sendo importantíssimo na preservação de nossa cultura de raiz. É o meio de comunicação que atinge diretamente o povo.
                                  Considerando a diversidade dos meios de relacionamentos na internet, os blogs, os Site, E-mail, as comunidade de relacionamento virtual tem sido um eficiente canal de divulgação e organização dos nossos valores culturais mais importantes que a televisão, quando temos apenas um programa tradicionalista o Galpão Crioulo na RBS TV.
Obrigado!

(Para o “Posadão” promovido pelo CTG “Tropilha Crioula”, envolvendo os Departamentos artísticos, Prendas, Peões e Invernadas). São Borja, 13/04/2013.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

A Família Ksata em São Borja

A Família Ksata Em São Borja
(*) Ramão Rodrigues Aguilar
O Senhor Masayuki Ksata, imigrante japonês, nascido em 12 de junho de 1908 e falecido em São Borja em 19 de fevereiro de 1990 foi oficial do Exército daquele País, vivenciou a IIª Grande Guerra Mundial, época em que serviu na Coreia, que era governada pelo Japão, antes da sua divisão. Veio para o Brasil, ingressando pelo porto de Rio Grande, com sua família, em 2 de abril de 1957, de lá vieram direto para o interior de Uruguaiana, na Estância “São Pedro”, de propriedade de João Batista Luzardo, O Embaixador.
Com ele veio a sua mulher Mastuko (Nascida em 18/01/1921 e falecida em 25/05/1992 em São Borja) e os filhos: Hishi (falecido); Tadashi, mais conhecido por Darci, mora em São Borja; Manabo, após um período de trabalho no Japão retornou a São Borja; a  Yoshiko, mora no Japão e a Nastuko, constituiu família e mora na cidade Gaúcha de Cachoeira do Sul.
Juntos com eles Imigraram trinta e uma famílias nipônicas, para se dedicar ao plantio de arroz, na Estância São Pedro, onde cerca de um ano trabalharam em situações precárias, sem remuneração, até que foram liberadas do contrato e acabaram se dispersando. Em número maior sedeara-se em Santa Maria e Porto Alegre. Seu Ksata se aventurou em permanecer na fronteira oeste do Estado, abdicando a sua comunidade restringiu sua convivência à família.
Deixando Uruguaiana foi para Alegrete, onde moraram dois anos, mais ou menos e depois venho para o interior de São Borja e se instalou na granja do Senhor Júlio Azambuja, próximo a “Inhú-Porã”. O outro local foi o Bairro do Passo de São Borja, em janeiro de 1962, na Chácara do Senhor Miguel Pacheco, havida da área maior da Granja São Vicente, Rua Patrício Petti-Jean, quem vai ao Cemitério do Bairro do Passo, em frente da antiga Fábrica de Linho Saragossa, onde os conheci.
Dos dois filhos que permaneceram em São Borja, junto com os pais adotaram esta terra missioneira como sendo suas, porém o silêncio ou esquecimento das origens estão subjetivamente em cada um deles, talvez porque eram crianças quando vieram para o Brasil ou fazem questão de esquecer suas lembranças, de um Japão arrasado e vencido pela guerra.
O Tadashi (Darci) trabalha com viveiros de mudas de árvores frutíferas, ornamentais e de reflorestamento, inclusive, floricultura e acessórios para decorações de jardins, também, hortigranjeiros. Está localizado na Rua Ori Rei Dornelles nº 1225, próximo a Rodoviária de São Borja. Ele me contou que sua família passou fome até se adaptar ao novo tipo de alimentação, pois estranhou o uso da carne e seus derivados, a graxa, a banha, o leite... Daí teve que aprender a comer estes alimentos, pois no Japão não consumiam estes produtos e sim se alimentavam a base de peixe, grãos, legumes e temperos da culinária japonesa, que aqui não havia comercialização, exceto o arroz.
O Manabo, após ter ido para o Japão em duas temporadas de trabalho, retornou e adquiriu uma chácara no interior de São Borja e passou a fazer o que já fazia antes, produzir hortaliças e lavouras, em pequena escala, como a mandioca, o milho, a batata, moranga, abóbora, etc. Tudo no regime familiar, ainda traz seus produtos cultivados para feira na cidade, todas as segundas, quartas e sábados, para ser comercializados ao lado da Igreja Metodista, na Rua Barão do Rio Branco. Agora com o casal de filhos formados e independentes, ele vendeu sua chácara e se limitou ao plantio apenas de hortigranjeiros em um terreno na cidade.
Voltando ao saudoso Masajuki Ksata, no ano que foi residir, com sua família, próximo lá de casa, na referida Chácara, morou também em frente em uma das unidades residencial da antiga fábrica de Linho Saragossa, onde residia, quando a fábrica funcionava, seu mecânico Senhor Fernando Gonçalves. Ainda tenho uma lembrança bem lúcida desse período, apesar de minha tenra idade.
O Senhor Miguel Pacheco foi piloto do Presidente da República João Goulart e sua Chácara ficava lindeira ao pesqueiro do Presidente e tinha uma área de terras de doze hectares (12he), onde o Senhor Ksata organizou sua horta e grande plantação de tomate, com uma tecnologia, então, em parte, desconhecida pelos são-borjenses, mas logo, seu empreendimento, se propagou por toda a parte, vindo pessoas do centro, dos bairros da cidade e até do interior para conhecer, comprar e admirar as suas plantações.
Naquele tempo estes produtos não eram tão valorizados como atualmente, talvez pela população desconhecer a importância destes alimentos e, também, por falta de quem se dedicasse a essa cultura, pois a maioria da ocupação do espaço produtivo era com a pecuária extensiva e a outra parte com a cultura de arroz, trigo, milho e linhaça, mais tarde a soja e o sorgo.
Não havia uma conscientização como em nossos dias, hoje massificada pelos meios de comunicações, dos benefícios dos produtos hortifrutigranjeiros para saúde. Felizmente nossos imigrantes, não só o japonês, os demais, também, nos deram esta importante contribuição, ou seja, uma produção primária diversificada, ocupando um pequeno espaço de terra e uma alimentação saudável.
Estes pioneiros, além de nos ensinar a comer melhor, inspiraram projetos na área da agricultura familiar, com abrangência social e econômica, de interesse dos órgãos governamentais, ligados à produção primária, atualmente com grande incentivo, através de disponibilização de recursos financeiros e tecnológicos visando o crescimento e desenvolvimento da agricultura familiar.
Volto ao meu velho e saudoso amigo para contar que aos domingos à tarde eu fazia plantão, em frente de casa, para vê-lo passar desfilando a cavalo, com o seu uniforme militar do Exército Japonês, com suas medalhas e honrarias.  Sua estampa lembrava os filmes da II Guerra Mundial, que mais tarde vim assistir lá no Cine Vitória. Ele estava ali ao alcance dos olhos, um legítimo guerreiro... O sentimento de grande admiração por aquela figura totalmente diferente da nossa raça, se não fosse, ele, meu vizinho, que do alto da sua civilização milenar parava para me dispensar atenção, com seu sorriso franco, diria que era uma figura estranha, numa época sem a informação de hoje em dia.
 Seu Masayuki Ksata era uma atração especial para mim, apenas um menino diante dos mistérios do mundo, evidentemente estranho para minha época, a desfilar em seu cavalo em grande estilo militar, certamente revivendo seu amor por um Japão, que havia ficado para trás, veio para América símbolo de quem sonhava com um mundo novo... Montava um enorme cavalo para sua estatura pequena, porém sorridente e muito simpático, cumprimentava a todos: “konnichiwa” (oi), acenando e na despedida baixava a cabeça, inclinando levemente o corpo dizia: “sayonara” (Adeus) e seguia em frente.
(*) Pesquisador Cultural

Primavera de 2008.