quarta-feira, 9 de julho de 2014

A Família Ksata em São Borja

A Família Ksata Em São Borja
(*) Ramão Rodrigues Aguilar
O Senhor Masayuki Ksata, imigrante japonês, nascido em 12 de junho de 1908 e falecido em São Borja em 19 de fevereiro de 1990 foi oficial do Exército daquele País, vivenciou a IIª Grande Guerra Mundial, época em que serviu na Coreia, que era governada pelo Japão, antes da sua divisão. Veio para o Brasil, ingressando pelo porto de Rio Grande, com sua família, em 2 de abril de 1957, de lá vieram direto para o interior de Uruguaiana, na Estância “São Pedro”, de propriedade de João Batista Luzardo, O Embaixador.
Com ele veio a sua mulher Mastuko (Nascida em 18/01/1921 e falecida em 25/05/1992 em São Borja) e os filhos: Hishi (falecido); Tadashi, mais conhecido por Darci, mora em São Borja; Manabo, após um período de trabalho no Japão retornou a São Borja; a  Yoshiko, mora no Japão e a Nastuko, constituiu família e mora na cidade Gaúcha de Cachoeira do Sul.
Juntos com eles Imigraram trinta e uma famílias nipônicas, para se dedicar ao plantio de arroz, na Estância São Pedro, onde cerca de um ano trabalharam em situações precárias, sem remuneração, até que foram liberadas do contrato e acabaram se dispersando. Em número maior sedeara-se em Santa Maria e Porto Alegre. Seu Ksata se aventurou em permanecer na fronteira oeste do Estado, abdicando a sua comunidade restringiu sua convivência à família.
Deixando Uruguaiana foi para Alegrete, onde moraram dois anos, mais ou menos e depois venho para o interior de São Borja e se instalou na granja do Senhor Júlio Azambuja, próximo a “Inhú-Porã”. O outro local foi o Bairro do Passo de São Borja, em janeiro de 1962, na Chácara do Senhor Miguel Pacheco, havida da área maior da Granja São Vicente, Rua Patrício Petti-Jean, quem vai ao Cemitério do Bairro do Passo, em frente da antiga Fábrica de Linho Saragossa, onde os conheci.
Dos dois filhos que permaneceram em São Borja, junto com os pais adotaram esta terra missioneira como sendo suas, porém o silêncio ou esquecimento das origens estão subjetivamente em cada um deles, talvez porque eram crianças quando vieram para o Brasil ou fazem questão de esquecer suas lembranças, de um Japão arrasado e vencido pela guerra.
O Tadashi (Darci) trabalha com viveiros de mudas de árvores frutíferas, ornamentais e de reflorestamento, inclusive, floricultura e acessórios para decorações de jardins, também, hortigranjeiros. Está localizado na Rua Ori Rei Dornelles nº 1225, próximo a Rodoviária de São Borja. Ele me contou que sua família passou fome até se adaptar ao novo tipo de alimentação, pois estranhou o uso da carne e seus derivados, a graxa, a banha, o leite... Daí teve que aprender a comer estes alimentos, pois no Japão não consumiam estes produtos e sim se alimentavam a base de peixe, grãos, legumes e temperos da culinária japonesa, que aqui não havia comercialização, exceto o arroz.
O Manabo, após ter ido para o Japão em duas temporadas de trabalho, retornou e adquiriu uma chácara no interior de São Borja e passou a fazer o que já fazia antes, produzir hortaliças e lavouras, em pequena escala, como a mandioca, o milho, a batata, moranga, abóbora, etc. Tudo no regime familiar, ainda traz seus produtos cultivados para feira na cidade, todas as segundas, quartas e sábados, para ser comercializados ao lado da Igreja Metodista, na Rua Barão do Rio Branco. Agora com o casal de filhos formados e independentes, ele vendeu sua chácara e se limitou ao plantio apenas de hortigranjeiros em um terreno na cidade.
Voltando ao saudoso Masajuki Ksata, no ano que foi residir, com sua família, próximo lá de casa, na referida Chácara, morou também em frente em uma das unidades residencial da antiga fábrica de Linho Saragossa, onde residia, quando a fábrica funcionava, seu mecânico Senhor Fernando Gonçalves. Ainda tenho uma lembrança bem lúcida desse período, apesar de minha tenra idade.
O Senhor Miguel Pacheco foi piloto do Presidente da República João Goulart e sua Chácara ficava lindeira ao pesqueiro do Presidente e tinha uma área de terras de doze hectares (12he), onde o Senhor Ksata organizou sua horta e grande plantação de tomate, com uma tecnologia, então, em parte, desconhecida pelos são-borjenses, mas logo, seu empreendimento, se propagou por toda a parte, vindo pessoas do centro, dos bairros da cidade e até do interior para conhecer, comprar e admirar as suas plantações.
Naquele tempo estes produtos não eram tão valorizados como atualmente, talvez pela população desconhecer a importância destes alimentos e, também, por falta de quem se dedicasse a essa cultura, pois a maioria da ocupação do espaço produtivo era com a pecuária extensiva e a outra parte com a cultura de arroz, trigo, milho e linhaça, mais tarde a soja e o sorgo.
Não havia uma conscientização como em nossos dias, hoje massificada pelos meios de comunicações, dos benefícios dos produtos hortifrutigranjeiros para saúde. Felizmente nossos imigrantes, não só o japonês, os demais, também, nos deram esta importante contribuição, ou seja, uma produção primária diversificada, ocupando um pequeno espaço de terra e uma alimentação saudável.
Estes pioneiros, além de nos ensinar a comer melhor, inspiraram projetos na área da agricultura familiar, com abrangência social e econômica, de interesse dos órgãos governamentais, ligados à produção primária, atualmente com grande incentivo, através de disponibilização de recursos financeiros e tecnológicos visando o crescimento e desenvolvimento da agricultura familiar.
Volto ao meu velho e saudoso amigo para contar que aos domingos à tarde eu fazia plantão, em frente de casa, para vê-lo passar desfilando a cavalo, com o seu uniforme militar do Exército Japonês, com suas medalhas e honrarias.  Sua estampa lembrava os filmes da II Guerra Mundial, que mais tarde vim assistir lá no Cine Vitória. Ele estava ali ao alcance dos olhos, um legítimo guerreiro... O sentimento de grande admiração por aquela figura totalmente diferente da nossa raça, se não fosse, ele, meu vizinho, que do alto da sua civilização milenar parava para me dispensar atenção, com seu sorriso franco, diria que era uma figura estranha, numa época sem a informação de hoje em dia.
 Seu Masayuki Ksata era uma atração especial para mim, apenas um menino diante dos mistérios do mundo, evidentemente estranho para minha época, a desfilar em seu cavalo em grande estilo militar, certamente revivendo seu amor por um Japão, que havia ficado para trás, veio para América símbolo de quem sonhava com um mundo novo... Montava um enorme cavalo para sua estatura pequena, porém sorridente e muito simpático, cumprimentava a todos: “konnichiwa” (oi), acenando e na despedida baixava a cabeça, inclinando levemente o corpo dizia: “sayonara” (Adeus) e seguia em frente.
(*) Pesquisador Cultural

Primavera de 2008.


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