HIPÓLITO RODRIGUES
Cativo por Opção
Ramão Rodrigues Aguilar (*)
Hipólito
Rodrigues, nativo do interior de São Borja, da localidade de São Marcos, seus
aspectos físico identificava sua origem aborígene. Iniciou ganhando a vida,
ainda jovem, como remador e “lanchero”,
habilidade que aprendeu com seu pai Martins,
proprietário da Lancha, que fazia a travessia de passageiros para o porto
Argentino, enfrente e descia ou subia o Rio Uruguai, transportando passageiros
ou mercadorias, a partir da longínqua década de 30, do século passado.
Hipólito,
também, foi balseiro, naqueles tempos
se aprendia fazer de tudo um pouco, lenhar, carnear, charquear, tratar da
criação, lavrar a terra, plantar, pescar nem se fala, e, quem sabia conduzir
uma embarcação aprendia com mais facilidade trabalhar de balseiro, pois na sua
época desciam muitas balsas de madeira pelo Rio Uruguai, tanto em toras como já
beneficiadas em pranchões. Era um trabalho temporário, somente em épocas de
cheias que desciam as Balsas. “ôba! vem à enchente/Uruguai transformou/vai dar
serviço pra gente”, como diz na composição musical “Balseiro do Rio Uruguai” de
Barbosa Lessa.
Por um bom
tempo, enquanto durou a permanência do Seu Geraldo em São Marcos, Hipólito,
como remador, tinha uma tarefa diária, de pela manhã, varar o rio e do lado
Argentino buscar o pão quentinho, d’água ou a “calleta” para o Seu Geraldo tomar café, Geraldo era Guarda
Aduaneiro em São Marcos, onde se originou a relação de amizade com o Hipólito,
a partir da década de 20 e perdurou pela vida inteira e quando Seu Geraldo
deixou o Porto de São Marco e vem para cidade ele veio junto e agregou-se de braço direito dele.
Meu pai filho
de criação de um fazendeiro da localidade de São Marcos de origem Uruguaia,
este que trouxe a minha avó paterna da cidade de Saltos/Uruguai para Santo
Tomé/RA, e, com a ida do seu Geraldo para aquele Passo, foi quando o pai
conheceu e casou-se com minha mãe Setembrina, filha de Geraldo e Madalena
Fernandes Rodrigues. Meu pai, depois de ter vivido e aprendido toda a lida da
estância, também, foi remador no Porto de São Marcos sempre recordava das
proezas do Hipólito.
Seu Geraldo já
estava morando na Granja São Vicente, quando o Hipólito passou a trabalhar com
seu filho João Pedro, a partir do final década de 50, nas lavouras de trigo,
ele era o cozinheiro da granja, (cozinhava muito bem). Gostava de uma “birita”,
não dispensava seu rádio de pilha, seu pertence mais valioso era seu cavalo
encilhado e vivia rodeado de cachorros.
Certa feita a
passeio, quando guri, na granja onde o Hipólito trabalhava, ele me esperou com
uma taxada de “cueca virada”, frita na banha, coberta de açúcar. Comi tanto que
me deu um ameaço de congestão. Nesta época não tinha geladeira nas granjas, o
Hipólito acondicionava os fervidos (carne com osso) em latas de vinte litros,
mergulhados na banha, de lá saia para panela, para temperar o feijão, fazer um
ensopado de mandioca ou uma fritada para comer com arroz branco e quibebe...
A única
ligação familiar foi esta, que ele escolheu para ser sua perene referência, elo
de união de uma corrente de alma com a família Rodrigues. Ele se considerava e era considerado da
família. Hipólito fez do ideário de sua
vida sua dedicação exclusiva a família do Seu Geraldo, serviçal, cativo por
opção, nunca conseguiu romper seus grilhões afetivos que o mantinha ligado à
família Rodrigues, nem quando alçava voo e abria as asas ao mundo, logo
retornava a família que escolheu para fazer parte, nem que fosse para relatar
suas aventuras e desventuras, ocorridas durante sua ausência.
Em função do
cargo que seu Geraldo exercia o Hipólito tinha seu transito livre, quando
navegava pelo Rio afora, atracava sua embarcação em qualquer lugar, desta
fronteira amiga, tanto deste lado como do outro, era seu comarcado, seu mundo,
seu rio, sua liberdade... Com braços fortes na contração dos músculos, os remos
impulsionavam a embarcação, Rio acima ou Rio abaixo, ouvindo o murmúrio das
águas. Quando em terra firme escolhia a casa que desejava ficar da família
Rodrigues, era sempre bem recebido, chegava e saia quando queria, mas não
gostava de aquentar banco.
Já homem feito
enamorou-se da Senhorita Iolanda, filha do “Tio Calandro”, cidadão são-borjense
muito estimado, casaram-se perante as leis dos homens e de Deus, tiveram um
filho e depois tudo acabou. O Hipólito voltou àquela vida que levara antes do
casamento, talvez na busca de um passado distante, que havia perdido nos
remansos do seu Rio e nas Ruas da velha São Borja, porém, agora, com maior
intensidade.
Nesta altura a
bebida tinha lhe ocupado todo o espaço, restava apenas o instinto de andar,
andar... Perambulando pelas ruas sem saber para onde iria, sem resolver o que
fazer com a sua solidão e sofrimento tornou-se um andarilho. E o tempo foi
passando... Dias, meses, anos se passaram e o Hipólito envelheceu nesse
sofrimento, sua vida havia chegado ao nível da loucura. Não tinha mais seu
cavalo encilhado, sua chalana, apenas suas pernas que o conduziam a esmo.
Muitas vezes recolhido pela Brigada Militar, retornava
as ruas da cidade, até que certa noite, uma dessas de inverno rigoroso, geada
grande, na busca de um refúgio se recolheu num rancho abandonado, acendeu um
fogo de chão para se aquecer, sem se alimentar era movido apenas pelo álcool,
adormeceu debilitado. Enquanto dormia o rancho que o abrigava incendiou e sua
vida partiu entre as chamas, pobre criatura pura de coração, que nunca fez mal
a ninguém.
Como diz numa
passagem Bíblica: “És pó em pó te tornarás”. O Hipólito sendo pó, como todo o
mortal, em cinza se tornou. O fogo purificou sua alma errante e ela passou
habitar entre os barqueiros, “chalaneros” e pescadores do Rio Uruguai para
protegê-los de todos os perigos.
(*) Pesquisador Cultural.
Inverno de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário